Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

domingo, 8 de fevereiro de 2015

          CONTRASTES

                        O “só” cientista
                        Não pode ser artista.
                        Se tem ciência
                        Sem experiência
                        E não quer ser “sempre” aprendiz,
                        Então, aceite o conselho de quem lhe diz:
                        «Oiça bem, desista».

                        Por algum saber
                        Ninguém vai pensar
                        Em todos morder,
                        Porque pode acontecer
                        Que, pelo muito trabalhar
                        E alguma idade,
                        Alguém ter a faculdade
                        De “ver”, mais ao longe,
                        Aquilo que aos imbecis escapa.
                        “Não é o hábito que faz o monge”,
                        Mas a experiência
                        Que pode oferecer à ciência
                        Uma bela ocasião, onde se alapa
                        O senso para uma frágil cabeça sem capa.

                        Sempre se tem por pessoa louca
                        A que anda à chuva sem touca.

                                                               Janeiro de 2015





sexta-feira, 28 de março de 2014

  CRISTO, MORTO, REVIVE NO SILÊNCIO

    É frequente e, de certa maneira, compreensível ver quem está “na mó de baixo” ser objecto das chufas e sarcasmos da populaça anónima que, por seu lado, se acha no direito de apontar o dedo ao suspeito criminoso ou refinado impostor.
    Estou a referir ou a reflectir quanto os três evangelistas sinópticos aduzem sobre aquele momento doloroso de Cristo, já colado pelos cravos à infamante cruz tosca de madeira, tornada trono áureo e reluzente de salvação.
    «Olha o tal que ia deitar abaixo o templo e tornar a construí-lo em três dias! Salva-te agora a ti mesmo! Se és o Filho de Deus, desce da cruz!» … «Salvou os outros e não se pode salvar a si mesmo! Se é o Rei de Israel, que desça agora da cruz para acreditarmos nele! Pôs a sua confiança em Deus e até disse: “Sou Filho de Deus”. Nesse caso, que venha Deus agora livrá-lo, se de facto lhe quer bem!» (Mt.27/40-43; Mc.15/29-32; Lc.23/35-38).
    É impressionante um tão grande silêncio prudente diante de tamanha turba, amotinada e cheia de rancor ignorante, que não conhece o porquê de tudo quanto vai acontecendo a não ser o obedecer ao incentivo dos grandes da sociedade de então, entrincheirados no poder do dinheiro e das influências.
    Ontem como hoje e sempre, os cenários repetem-se sucessivamente, escondendo todos os caminhos da verdade e da honradez.
    Reitero a admiração pelo mutismo de Jesus neste sofrimento atroz. Não há um apelo nem acusação como defesa. Razão para Isaías, ao profetizar: «Foi vexado e humilhado, mas a sua boca não se abriu para protestar; como um cordeiro que é levado ao matadouro ou como uma ovelha emudecida nas mãos do tosquiador, a sua boca não se abriu para protestar. Levaram-no à força e sem resistência nem defesa; quem é que se preocupou com a sua sorte? De facto, foi suprimido da terra dos vivos, mas por causa dos pecados do meu povo é que ele foi maltratado» (Is.53/7-8).
    Incapacidade, medo, vergonha? Mas, se estava pré-anunciado pelas Sagradas letras, tudo se havia de cumprir.
    A morte sobreveio e com ela a escuridão da incerteza e do desconhecimento. Tudo continuou na dúvida do porquê de quanto se estava a desenrolar e, ainda mais confuso, o que iria passar-se três dias depois.
    De boca em boca, a notícia da morte de um “sublevador” foi sendo notícia comentada, por entre dentes, pelos medrosos, ameaçados para esconderem alguma firmeza de confiança naquele Homem que passara “fazendo o bem” e a não merecer tal condenação à morte.
    Após o terceiro dia, ressuscitou como havia prometido. Mas, mesmo aí, continuou a calar o facto. Nada de alardes nem alarmes. O povo anónimo deveria ir descobrindo o sucedido, acreditando no desígnio divino.
    Então o silêncio torna-se voz sonora, ainda que os grandes do mundo porfiem fazer esconder a verdade daquela madrugada gloriosa de Ressurreição.
    O Senhor Jesus, nos nossos tempos e como que no segredo, vai convidando para a contemplação conducente à aceitação do mistério.
    Essa obra é, hoje, múnus daqueles quantos se deixaram já tocar pela graça do Espírito e a quem caberá por consciência recta, o dever de levar, em todos os sectores da vida, a feliz e confortante notícia de que a Fé não é vazia ou morta porque aceita o silêncio de Jesus para o tornar grito audível neste mundo onde outros ruídos ensurdecem.
    Este será um clamor a vencer a ironia e o desprezo de uma sociedade que faz barulho para não se ouvir o silêncio de Deus que assim caminha connosco, na pessoa de Jesus Cristo ressuscitado.

                                                                                                 Manuel Armando

segunda-feira, 10 de março de 2014


                  ANJO OU IMAGEM?

 

                   Vi um qualquer anjo mendigo,

                   Vindo do Céu ou da Terra, não sei.

                   A sua pequenina estatura, 

                   Vestia-se de magnífica alvura. 

                   E porque nada trazia consigo, 

                   Logo assim o admirei. 

                   Seus cabelos louros pareciam dourados. 

                   Diante daquela tamanha pureza,

                   Sem prosápia ou leveza,

                   Me envergonhei 

                   E lastimei  

                   Os meus pecados.

 

                   Em tudo encantava com seu sorriso,  

                   A todos acenava na inocente simplicidade, 

                   Brincava sem medo nem preconceito, 

                   Abria-se nos gritos a seu jeito  

                   E, naquele momento preciso, 

                   Só a verdade

                   Lhe saía do peito.

                  

                   No olhar foi sempre profundo  

                   A perscrutar tudo à sua volta 

                   E, porque sentia sua alma mais solta, 

                   Revolvia todo o nosso mundo, 

                   Denunciando a falsidade 

                   Dos homens de qualquer idade, 

                   Presos à suposta segurança  

                   Da preguiça que sempre os lança 

                   Na ociosidade.

 

                   Continuo a sentir-me embevecido,

                   Diante da grandeza de tal pequenez  

                   A contrastar com a altivez  

                   Deste meu eu, mal sentido, 

                   Pois ainda não reconheci  

                   Dever a vida crescer em boa confiança. 

                   Afinal, parece que um sonho eu vivi,  

                   Em uma noite escura de breu, 

                   Porquanto escutei o troar da guerra,

                   Onde, perdido ou alheado e sem parança,  

                   Descobri, não um anjo do Céu 

                   Mas, pedindo pão e paz para esta terra,  

                   O Homem, ainda criança.

 

                                                       Março - 2014

 

                  

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014


                 SOMBRAS

 

              Sigo, voltando as costas à luz,

              E acosso, nervoso, minha sombra fugidia 

              Que jamais poderei alcançar. 

              Torna-se árduo e pesado o meu caminhar. 

              Espero, confiante, a hora mais tardia, 

              E, enquanto quase tudo se desfaz, 

              Pego uma outra cruz, 

              Para mim, sinal de paz.

 

              Quando renasce a vida em cada manhã, 

              Viro para o sol meus olhos despertos. 

              Então, minha sombra se projecta para trás 

              E me diz que não há existência vã 

              Se apoiada nos passos sempre certos 

              No caminho do quanto de bem se faz.

 

              Chega o pino do meio-dia. 

              No seu pico, o sol vai confundir 

              A minha sombra e o meu eu. 

              Se olho o chão da nostalgia, 

              Corro o risco de, trémulo, fugir 

              Sem ver, na terra, espelhado o Céu.

 

              Desanimado, serei sombra de mim mesmo, 

              Prostrado no buraco onde ninguém 

              Ousará perguntar-me por que caí,

              Pois não darei respostas a esmo, 

              Sem o sentido que a vida contém

              Para qualquer pessoa a vaguear por aqui.

 

              Mas, afinal, o sol robustece meu existir, 

              Como sombra precedendo o Amor 

              De um nosso Deus, Pai e Criador,  

              Que se propõe fazer sumir 

              A prosápia de quem ostenta a vaidade 

              Da figura à qual o sol faz arder 

              Até ao nada inane de verdade, 

              Onde jamais alguém quererá perecer.

 

              Ou projectamos a Pessoa do nosso Deus 

              Numa existência luminosa e fecundante 

              Com sua meta ainda muito distante, 

              Ou, então, perderemos o rumo dos Céus, 

              Acabando como sombra apagada num instante.

 

 

                                                         Outono de 2013

 

             

sexta-feira, 30 de agosto de 2013


                       VERSO E REVERSO

 

                   Terra verde com fartos arvoredos,

                   Prenhe de esperanças 

                   E segredos, 

                   Fruto de sonhos e cansaços, 

                   Onde o homem gastou seus braços 

                   E abastanças. 

                   Olhares postos num risonho futuro,

                   A compensar o trabalho duro

                   Dos calejados dedos.

 

                   Longos caminhos, em qualquer dia,

                   Percorre o afortunado lavrador 

                   Para tratar com carinho e amor 

                   Cada árvore em que se extasia,  

                   Numa unção de ardente brilho, 

                   Porque a plantou como se gerasse um filho.

 

                   Dorme ou acorda e o seu cuidado 

                   Redobra ao sentir crescer 

                   As meninas dos iluminados olhos. 

                   De manhã e ao entardecer 

                   Ouve os sussurros de uníssono trinado 

                   Dos ramos que, entre abrolhos, 

                   Se bamboleiam num encantador bailado.

 

                   Cai a chuva, solta-se o vento, 

                   Como bênçãos fecundantes do Criador, 

                   Radia o Sol no seu calor, 

                   Emprestando a esta natureza 

                   O encantamento 

                   Da força e beleza,

                   Num sempre renovado esplendor.

 

                   Até as aves, em altíssima liberdade, 

                   Ali fazem seus aprazíveis palácios, 

                   Criam os filhotes num mundo de verdade, 

                   Aspiram ares puros e rosáceos, 

                   Sem a pecha da humana vaidade.

 

                   Mas foi tempo quando um coração, em festa, 

                   Corria a comprazer-se com a floresta.  

                   Agora, as maldades consomem 

                   Todo o esforço e canseiras do homem 

                   Que, amargurado vive, nesta hora, a tristeza 

                   Da natureza 

                   Destruída, 

                   Sem beleza 

                   Nem vida.

 

                   Regressa ao lar, alquebrado e vencido, 

                   Desnorteado e aturdido.  

                   Carrega nos ombros o peso da enxada 

                   E mais, nos olhos, a revolta, 

                   Donde solta 

                   Lágrimas de cinza e nada.

 

                                                         Verão de 2013

quinta-feira, 29 de agosto de 2013


                        ENTRE MORTOS E FERIDOS…

            -OU DELÍRIO DE VERÃO-

 

                   A ti, que isto lês,

                   E nem sabendo quem és,

                   Para não falhar da memória 

                   Te conto a pequena história 

                   De um cão, 

                   Maganão, 

                   Que mordeu meus pés.

 

                   Chamava-se “Farrusco” 

                   E meteu-me grande susto 

                   Quando, naquele lusco-fusco, 

                   Estando eu desprevenido, 

                   Ele, muito sorrateiro

                   Ou atrevido, 

                   Sem se fazer ouvir, 

                   Aplicou o golpe certeiro 

                   E, fingindo, depois se pôs a ganir.

 

                   Ai, o grande estafermo! 

                   - Não sei bem se é este o termo –

                   Mas, mesmo não estando no inverno, 

                   Desejei-lhe o inferno.

 

                   Atacou forte e por trás, 

                   Quando caminhava eu no sossego, 

                   Com pensamento de patego,

                   Mas em paz.

 

                   Queria, assim, o finório, 

                   Ali mesmo, começar, 

                   Para com outros continuar, 

                   O meu velório.

 

                   Aí, passei a cismar: 

                   - Como é fácil ser tramado;

                   Basta continuar 

                   A caminhar, 

                   Alienado, 

                   Distraído

                   E não se incomodar 

                   De ser mordido.

 

                   Agora, imagino ver governantes, 

                   De todos os quadrantes, 

                   Morderem no salário 

                   Do pobre operário. 

                   E, como se não bastasse, 

                   À miséria do reformado, 

                   Também num misterioso passe, 

                   Lhe abocanham o bocado.

 

                   Anda tudo num alvoroço, 

                   São sete cães a um osso 

                   No campo do ensino. 

                   E assim se cava perigoso fosso 

                   Entre o professor e o menino.

 

                   Mordem-se os políticos ressabiados, 

                   Num país já aos bocados, 

                   Onde todos querem pôr fateixa, 

                   Dizendo-se fundamentados 

                   Em sérias razões de queixa.

 

                   Ratam-se os homens do desporto

                   E, neste mundo já meio morto,  

                   Acabará por acontecer 

                   Não haver nada mais para roer.

 

                   Fogem, então, os abutres, saciados, 

                   E os cães que roem pés; 

                   Não sofrerão qualquer revés 

                   Pois estarão sempre abrigados 

                   Pelas leis dos suspensórios:

                   - Os ricos cada vez mais endinheirados 

                   E os mortos pobres, abandonados, 

                   Sem ninguém nos seus velórios.

                                             Verão de 2013