CRISTO,
MORTO, REVIVE NO SILÊNCIO
É frequente e, de certa maneira, compreensível
ver quem está “na mó de baixo” ser
objecto das chufas e sarcasmos da populaça anónima que, por seu lado, se acha
no direito de apontar o dedo ao suspeito criminoso ou refinado impostor.
Estou a referir ou a reflectir quanto os
três evangelistas sinópticos aduzem sobre aquele momento doloroso de Cristo, já
colado pelos cravos à infamante cruz tosca de madeira, tornada trono áureo e
reluzente de salvação.
«Olha o tal que ia deitar abaixo o templo e
tornar a construí-lo em três dias! Salva-te agora a ti mesmo! Se és o Filho de
Deus, desce da cruz!» … «Salvou os outros e não se pode salvar a si mesmo! Se é
o Rei de Israel, que desça agora da cruz para acreditarmos nele! Pôs a sua
confiança em Deus e até disse: “Sou Filho de Deus”. Nesse caso, que venha Deus
agora livrá-lo, se de facto lhe quer bem!» (Mt.27/40-43; Mc.15/29-32;
Lc.23/35-38).
É impressionante um tão grande silêncio
prudente diante de tamanha turba, amotinada e cheia de rancor ignorante, que
não conhece o porquê de tudo quanto vai acontecendo a não ser o obedecer ao
incentivo dos grandes da sociedade de então, entrincheirados no poder do
dinheiro e das influências.
Ontem como hoje e sempre, os cenários
repetem-se sucessivamente, escondendo todos os caminhos da verdade e da
honradez.
Reitero a admiração pelo mutismo de Jesus
neste sofrimento atroz. Não há um apelo nem acusação como defesa. Razão para
Isaías, ao profetizar: «Foi vexado e humilhado, mas a sua boca não se
abriu para protestar; como um cordeiro que é levado ao matadouro ou como uma
ovelha emudecida nas mãos do tosquiador, a sua boca não se abriu para
protestar. Levaram-no à força e sem resistência nem defesa; quem é que se
preocupou com a sua sorte? De facto, foi suprimido da terra dos vivos, mas por
causa dos pecados do meu povo é que ele foi maltratado» (Is.53/7-8).
Incapacidade, medo, vergonha? Mas, se
estava pré-anunciado pelas Sagradas letras, tudo se havia de cumprir.
A morte sobreveio e com ela a escuridão da
incerteza e do desconhecimento. Tudo continuou na dúvida do porquê de quanto se
estava a desenrolar e, ainda mais confuso, o que iria passar-se três dias
depois.
De boca em boca, a notícia da morte de um “sublevador” foi sendo notícia
comentada, por entre dentes, pelos medrosos, ameaçados para esconderem alguma
firmeza de confiança naquele Homem que passara “fazendo o bem” e a não merecer tal condenação à morte.
Após o terceiro dia, ressuscitou como havia
prometido. Mas, mesmo aí, continuou a calar o facto. Nada de alardes nem
alarmes. O povo anónimo deveria ir descobrindo o sucedido, acreditando no
desígnio divino.
Então o silêncio torna-se voz sonora, ainda
que os grandes do mundo porfiem fazer esconder a verdade daquela madrugada
gloriosa de Ressurreição.
O
Senhor Jesus, nos nossos tempos e como que no segredo, vai convidando para a
contemplação conducente à aceitação do mistério.
Essa obra é, hoje, múnus daqueles quantos
se deixaram já tocar pela graça do Espírito e a quem caberá por consciência
recta, o dever de levar, em todos os sectores da vida, a feliz e confortante
notícia de que a Fé não é vazia ou morta porque aceita o silêncio de Jesus para
o tornar grito audível neste mundo onde outros ruídos ensurdecem.
Este será um clamor a vencer a ironia e o
desprezo de uma sociedade que faz barulho para não se ouvir o silêncio de Deus
que assim caminha connosco, na pessoa de Jesus Cristo ressuscitado.