Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

domingo, 25 de julho de 2010

ERA UMA VEZ…ATENÇÃO ÀS “FORMIGAS”…



Confesso que não me invade qualquer sentimento hostil em relação àqueles animálculos que incomodam tantas pessoas por causa das diabruras que fazem na sua actividade mais que agitada de todos os momentos. Para quem não sabe quero referir-me às formigas. Sobre elas move-me, apenas, um desejozito de vingança pelas vezes que competiram comigo aquando da minha idade de infância. É que, no momento de eu atacar o cartucho onde minha mãe guardava o açúcar, já elas tinham provado ou, mesmo, comido parte da doçura. E eu tornava-me quase furioso ao sentir que alguma, por engano, me atingia na língua injectando um humor bem acre e mordente.

Apesar de tais contrariedades de percurso, até nós as crianças do meu tempo, nos convencíamos prestar ajuda a tais bichinhos quando traçávamos e alisávamos os carreirinhos por onde haviam de passar limitando-os com murinhos. Pensávamos nós que elas seriam incapazes de o fazerem por si sós. Era e é um rotundo engano.

Ao longo da vida fui descobrindo o poder atómico que têm as formigas. Ainda me recordo do tempo de escola quando se lia um texto apelativo sobre a “formiga rabita”, sempre num trabalho insano e persistente a fim de amealhar o sustento necessário para o dia ou épocas seguintes. Elucidativa é, na verdade, a fábula de Esopo, traduzida por La Fontaine e comicamente versejada pelo nosso Bocage, em que contrastam, cara a cara, o labor da formiga e a “cantorolice” da cigarra imprevidente, no Verão.

Bem entendemos que sendo minúsculos seres, elas são agentes fortes para o equilíbrio da natureza. E quanta força física e de “vontade” demonstram quando transportam volumes enormes de comida e outros bens necessários para o armazém da sua casinha. Razão para o elogio bíblico: “No mundo existem quatro seres que são mais sábios do que os sábios: as formigas, povo fraco, mas que recolhe comida no Verão…” (Livro dos Provérbios, 30/24). E como se ajudam em grupo organizado! E o olfacto de que são dotadas, fazendo-as descortinar os objectos do seu interesse a distâncias tão longas! E como gostam do que é bom e doce!

É assombroso descobrir os “bunkers” que constroem para a sua defesa e hibernação. Até chegarem aí, caboucaram quilómetros de sulcos sem as sofisticadas máquinas da invenção humana.

Mas teremos imaginado já o quanto minaram, moeram, removeram ou destruíram até atingirem a construção do seu “habitat”?!

Supusemos, alguma vez, que um enxame de formigas, no silencioso desenrolar do tempo, cava a ruína total de uma casa sem que ninguém se aperceba e lhe acuda?

Estas minhas observações conduzem-me a uma reflexão muito séria sobre o que hoje testemunhamos, sem prestarmos a atenção devida. Estamos a viver numa sociedade que deveria fundamentar-se nas bases seguras de um passado de valores que não poderiam ter-se deixado desmoronar com a facilidade e inconsciência gritantes que, actualmente, experimentamos.

São os próprios grupos, famílias, associações, movimentos que vão minando a educação, a estruturação das seguranças humanas, cívicas, religiosas e vitais. Não se assume a exigência consciente de joeirar o que nos entra pelos olhos e ouvidos, vindo dos mais diversos meios de comunicação e, aí, temos a sociedade a ser minada nos seus alicerces que são as crianças que ouvem e vêem todas as maluquices do actual modernismo sobre homossexualidade, morte, guerras, separações e divórcios, violência doméstica e social, desinteresse ou hostilidade familiar por tudo quanto é compromisso e responsabilização.

Sucede mesmo que essas mesmas crianças são acicatadas, incendiadas e até, conscientemente ou não, atiradas pelos próprios pais contra pessoas sobre quem eles demonstram não nutrir quaisquer simpatias ou apreço, mas que expelem gana de denegrir algum trabalho por mais sério e útil que seja.

Estas crianças crescem na vida sem um padrão de verticalidade nem tempo ou condições para discernirem entre o bem e o mal, porque os seus responsáveis não lhes ensinam o trilho correcto de uma boa conduta. São absorvidas totalmente pelas suas ocupações permanentes do ballet, patinagem, piscina, dança, explicações, desporto, sem tempo para absorver uma aprendizagem familiar dos valores que, por seu turno, se vão desintegrando e sumindo nas sombras do desinteresse e do desconhecimento.

Há que dar luta sem tréguas a esta espécie de formigas minadoras e mortíferas que se escondem no próprio seio da família. Terá de usar-se muito insecticida, porque a construção do homem vai sendo pulverizada por estes bichos venenosos que, ao princípio, parecem inofensivos mas que são o paradigma de uma sociedade futura podre e sem objectivos que ultrapassem o que é meramente material e hedonista.

Triste mundo que vai morrendo para o futuro, se é que irá existir futuro.

Manuel Armando