Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O REALISMO DO MEU SONHO

         Que pensará uma formiga quando o meu dedo a pisa? Nem tem tempo para pensar.
         Quantas dores e com que intensidade as sentirá ao serem-lhe esmagados os seus “ossos”! Fujo de me imaginar em situação semelhante tão embaraçosa.
         Revivo, por isso, um sonho de uma qualquer das noites atrás; um enorme e arrepiante pesadelo que passou a massacrar-me nos dias seguintes e, durante horas seguidas.
         Aparecera um monstro informe, que expelia lume pela boca escancarada e com ruídos ensurdecedores, pés de gigante e mãos incomensuráveis. Nem sei se sim ou não teria o número a dobrar de dedos com léguas de comprimento.
         Tive a impressão plena e concisa de eu ser um pigmeu na concha da sua mão esquerda que escangalhava, na maior das facilidades, a minha fragilizada ossatura. Bem gritei e esperneei; parece que, no estertor da derrota, chamei por todos quantos me poderiam ajudar a sair de tal embaraço. Apelei à plêiade dos santos e arcanjos, mas apercebi-me de que ninguém me acudiu. Julgo que a vizinhança não deu conta da minha aflição e dos meus gritos. Pelo menos, nada ouvi referente ao caso. Assim não passo pela vergonha de ser um indivíduo a ter medo de sonhar.
         Mas o certo é que só despertei, em pavor, quando o dedo indicador do gigante se preparava para me destroçar e ditar o meu fim. Nesse alvoroço não tombei da cama abaixo, mas caí na realidade da vida acordada e seu contexto crítico em que nos encontramos.
         Parece que dormimos e sonhamos quando, olhando à nossa volta ficamos na impressão de que só convivemos com poderes incontroláveis amarfanhando os mais pequenos e indefesos. Em todos os dias que decorrem, acorda uma pessoa sem conhecer, ao certo, qual o problema do aumento de custo nos bens essenciais de consumo, do desemprego, fome, insegurança, de imoralidade e desrespeito quanto aos direitos do semelhante. Depois, são muitas as empresas a encerrar, famílias a desfazerem-se, crianças a ficarem órfãs de pais vivos, jovens jogados na fornalha da rua sem algo animador para realizar, nem objectivos concretos de vida. E qualquer pessoa pode imaginar e deduzir outras coisas para além destas misérias sociais do nosso tempo.
         Afinal, não é, apenas, a figura mítica que nos aparece na escuridão da insegurança mas uma miríade de duendes que aniquilam a todos nós, sem dó e nem piedade.
         Os pigmeus, na realidade, ficarão sempre sem o direito à existência serena, justa e condigna porque, mesmo aquelas poucas coisas que poderiam possuir lhes serão recusadas.
         Continuam os mais humildes e necessitados a gritar, mas os mastodontes desta sociedade, encontrada em queda livre, vão gozando os dias, arrotando, a seu bel-prazer, as baforadas medonhas do desprezo e sobranceria.
         De nada vale afirmarem que estão, também eles, incomodados por causa da situação precária dos pobres despojados de tudo, porque… nisso já não acreditamos.


                                                                      Manuel Armando

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A PEDAGOGIA DO RADAR

         Há imagens que permanecem indelevelmente impressas na nossa memória pessoal e, porque remontam aos tempos de frescura na gravação, lá ficam como se acontecessem em qualquer lapso presente. Ou, então, sucedem-se acasos que nos abrem o subconsciente, escancarando-o com toda a sua verdade lá contida.
         A atitude do gato, quando coca o rato, ou a posição do cão, ao farejar determinada peça de caça, quase nos fazem lembrar, concretizando, aquelas ideias que alimentamos no agir de pessoas e instituições.
         É claro que me pronuncio como despeitado que sou, mas tenho muito prazer em, resumidamente e sem grandes pormenores, contar um pequeno episódio de estrada que, jamais, esquecerei.
         Viajava eu, com alguma pressa quando, levantando a mão, alguém com autoridade me interrompeu a marcha. Depois dos cumprimentos habituais, não precisou de examinar quaisquer documentos porque, por um mero acaso, reconheceu a minha pessoa. Breve conversa cordial sobre família e despedida, sem mais. Só que, quando eu procurava reiniciar a viagem, a mesma mão me acenou. Baixei o vidro da janela do meu lado e ouvi, no momento, num misto de fina ironia e amizade: “Já agora, olhe, com essa velocidade, ponha o cinto de segurança”. Sorriu e nada mais acrescentou. Não fui multado mas senti-me pior do que se o fosse.
         Apenas, mais esta nota: ainda hoje, não sou capaz de identificar o guarda. Todavia, aqui fica registado, assim deste modo, o preito da minha homenagem pelo seu saber ser pedagogo.
         Isto vem a propósito da forma como, por vezes, se reprimem as pequenas distracções dum pobre condutor que utiliza o seu carro para deslocações de trabalho e não em qualquer espécie de competição.
         A presença duma autoridade fardada não se faz mostrar para impor, no bom sentido, o respeito pelas regras, sinais e pessoas. Mas, isso sim, transformam estes muitos condutores em títeres do medo e da carga psicológica negativa, porque conduzem na constante perspectiva e pânico de o veículo ser “fotografado”, mesmo que ultrapasse, na velocidade, só um pontinho além do permitido.
         Carros não identificados, estacionados nos locais escondidos ou escuros, oferecendo até ocasião a uma aprazível sesta porque a máquina programada faz todo o trabalho por ela própria, são praga constante.
         Pessoalmente, confesso que já despendi a quantidade necessária dos euros suficientes e capazes de adquirir também uma aparelhagem semelhante para, eu mesmo, gravar o andamento daqueles tantos “fângios” que me ultrapassam, em altas rotações, certamente com a sorte de nada lhes acontecer.
         É o que temos; caçadas, entre montes e na ausência de cães, com licenças especiais e gratuitas.
         Já nem conseguimos topar, sem um calafrio esquisito a gelar-nos os ossos, um veículo parado em qualquer berma nem que seja por espera do dono que, em dificuldades e necessidades naturais, se apeou em busca do esconderijo duma árvore amiga.
         Há uma forma de educar e outra de reprimir.
         E eu, quando for grande, hei-de ter um radar que detecte outros radares.
         É, por isso, a pedagogia do radar que poderá não educar mas, naturalmente vai originando depressões nervosas ou psicoses difíceis de engolir ou esquecer.

                                                                            
                                                                               Manuel Armando


        

terça-feira, 9 de agosto de 2011

OS FAVORES DE DEUS

                   Tantos são os ombros sobrecarregados,
                   Arqueando ao peso mais duro
                   Da incerteza dos frutos desejados
                   Com os olhos na esperança fixados
                   Mas, desconhecendo cada qual o seu futuro.
                
                   Diante da vontade, a dúvida e a amargura
                   Duma vida frágil e severa,
                   Transportando o jugo pesado
                   Que, levado
                   Com bravura,
                   Dá à vida maior brandura
                   E a torna menos austera.
                  
                   É a Cruz abraçada,
                   Partilhada
                   Em grandeza de redenção,
                   Com o Senhor que vela por nós
                   E faz ouvir sua voz
                   De perdão.

                   Na longa e espinhosa caminhada
                   Quem sofre fará levantar o grito
                   Do seu viver aflito;
                   E o Senhor, solícito, abraça
                   Com grande e afectuoso carinho,
                   Em cada momento que passa,
                   Todos quantos O esperam no caminho.

                   Não há próximo e, tão-pouco, estrangeiro;
                   No coração de Deus todos têm acolhimento.
                   O pobre, o rico, o último ou o primeiro,
                   O miserável, sem saúde nem dinheiro,
                   Encontram Nele a força, alegria e alento.

                   Nova caminhada,
                   Vida transformada,
                   Quando ninguém é despedido sem esperança.
                   Todos recuperam o alimento da confiança
                   Em Cristo que, no Seu Pão,
                   Robustece o homem fraco e sem calor,
                   Envolve-o com o manto de amor
                   E lhe franqueia uma porta de Redenção.

                   Não haverá ovelha perdida
                   Que o Senhor deixe de procurar,
                   No deserto da solidão;
                   E, por isso, de mão estendida,
                   Lhe aponta ditosa vida
                   Com todos em comunhão.

                   Quem se encontra de fora
                   Seja bem acolhido
                   Por quantos temos o sentido
                   Da graça salvadora.

                   Senhor Jesus, que cuidas de todos nós,
                   Alivia a tormentosa dor
                   Daquele que escuta e crê na Tua voz;
                   Porque em angustiado clamor,
                   Num mundo que corre veloz,
                   Implora Teu altíssimo favor
                   Pois se reconhece humilde e pecador.

                                                            Manuel Armando

                      (Reflexão para o 20º Domingo do Tempo Comum, Ano A)
                                          (Mt.15,21-28)