Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Onde será o Natal?








ONDE SERÁ O NATAL?

Eles eram um casal modesto
Que correu lesto,
Por caminhos pedregosos,
Agrestes e tortuosos.
Para trás ficaram a casa,
Os trabalhos ou o sossego
E, pelo deserto em brasa,
De coração fervoroso e ledo
Acatavam o chamamento
Dos senhores que mandam no mundo
E, no fundo,
Era, assim, o cumprimento
Da vontade do Deus e Senhor
Que, por amor,
Enviava o Seu Filho, o Messias
Para tornar amenos os dias
Do homem pecador.

O Salvador da humanidade,
Envolto no véu silencioso
Do divino seio materno,
Traça o destino eterno,
Chamando a humanidade
Ao seu projecto amoroso.

José e Sua mulher, Maria,
Anónimos caminhantes,
Carregaram os rigores do dia
Nas areias do deserto,
E os que seguiam de perto,
Também cansados e ofegantes
Não descobriam nem suspeitavam
Que a família com quem cruzavam,
Era de Deus um mistério:
De coração compadecido,
O Cristo ainda desconhecido,
Mas, pelos profetas anunciado,
Vem libertar o mundo deletério
Do pecado.

Fizeram jus ao descanso,
Na sua difícil viagem,
E, na primeira paragem
Do caminho sereno e manso,
Bateram à porta de uma estalagem.
Primeira recusa recebida;
Para eles não havia lugar;
Tudo cheio, nesta avenida,
Porque eles não poderiam pagar.

Batem nas entradas seguintes.
Ouvem a mesma resposta.
Então, José e Maria sobem a encosta,
Mas, como têm o aspecto de pedintes,
De todos ouvem um não rotundo
Pois ninguém reconhece o Salvador do mundo.
José vai mais à frente
Mostra que ainda é gente,
Mas o político da nação
Também lhe diz não;
Ausculta o senhor da finança
E, nele, não encontra fiança;
Vai ao supermercado;
Aí, o mesmo recado.

Indaga entre ministros e deputados
Sobre onde podem ser localizados
Lugares de paz e harmonia,
E a todos dizia
Chegarem por bem e boa intenção.
Apelavam a bondade do coração
Para o alívio da sua cruz,
Porque Maria iria dar à luz.

Também ouvi o batente da minha morada
Quando alguém tocou truz, truz, truz;
Mas, continuei de porta cerrada;
Perdi a ocasião e não recebi Jesus.

Assim, foram tantas as portas batidas,
Quantas as famílias fechadas,
Mas os pobres, nas dores sentidas,
Põem sempre em comum os seus nadas.

José intercepta um “sem-abrigo”
A quem pergunta: “amigo,
Onde alugarei mansão”?
Ao que ele responde: “vem comigo;
Tenho uma choupana de papelão”.

José e Maria aliviaram
Quando naquela casota entraram.

Tinha chegado o momento
E, no meio de tanta miséria e dor,
Nasceu o Salvador…
- Para todos os homens, certeza e alento.

Naquela noite escura e gelada,
Na improvisada gruta, sem janelas nem portas,
Foi grande e alegre o alarido;
Cantaram os Anjos, em revoada,
E, naquelas horas mortas,
O povo acordou aturdido,
Iniciando curiosa caminhada.

Vieram os pastores, pressurosos;
Os soldados pararam a guerra
E, em toda a terra,
Subiram gritos jubilosos,
Porque em Belém, Terra de Pão,
Nasceu Jesus, nossa Salvação.

Todos puderam ver um Menino lindo,
- O Deus, feito carne como nós.
Acreditamos que Ele tenha vindo
Nascer em palhas velhas e carcomidas,
Remir os pecados de muitas vidas,
E para O ouvirmos
E seguirmos
Sua voz.

Vamos nós, hoje, adorar
E a Jesus prestar glória,
Porque, junto de nós, Ele veio morar
E dar sentido à nossa história.

Na força e grandeza da fé,
Sustenta, ó Deus de Bondade, em todos, a alegria;
Louvamos os cuidados de José,
E rendemos o profundo amor a Maria.


Manuel Armando

(Reflexão para o Dia de Natal - 2010)

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

QUEM É O ANIVERSARIANTE?



ERA UMA VEZ…


Ou… QUEM É O ANIVERSARIANTE?



O tempo escoa-se a uma velocidade vertiginosa. Basta fecharmos os olhos em um minuto importante da existência e abri-los, logo de seguida, para darmos conta de como ele avançou em séculos.

Passe talvez o exagero, mas ao fim e ao cabo, quando nos admiramos da brevidade ou corrida alucinante dos números do calendário, expressamos o desabafo, saído bem do fundo, que serve de desculpa para a nossa inoperância, o nosso marasmo e inconsciência sobre o ónus que nos pesa na cabeça ao qual não demos o cumprimento preciso.

É que esse tal tempo não volta atrás. Acordando tarde, é tarde demais e ele não pode ser agarrado nem travado.

Chegamos a um novo Natal. O facto não pode constituir qualquer surpresa, até porque os distraídos são “acordados” por todos os acordes das promoções ou promessas, ainda que as mesmas se descubram e se apresentem sem medula.

As correrias sucedem-se em turbilhão estonteante. As pessoas não prestam atenção umas às outras nem se dão a conhecer. Cultiva-se a banalidade e a impersonalização. É o automatismo e “robotismo” a vencer os humanos que já não logram força nem coragem para reagir.

Alheados daquilo a que se deu o nome pomposo de “crise”, aliás real, os indivíduos entram e saem em tudo quanto é canto, na busca de algo que até desconhecem ou é inexistente.

São sonhos que não podem tornar-se realidades, porque assentes em bases frágeis do existir sem rumo nem sentido. É miragem para todos quantos continuam a confundir a felicidade com o barulho, as pessoas com as coisas, a meditação e descoberta do ser-se alguém com a azáfama da inquietação.

Aquele Messias admitiu e aceitou fazer uma estadia no mundo humano e a experiência do homem arrepiado e perseguido por um mundanismo desenfreado. Mas, ao entrar no mundo disse: “Eis que eu venho, ó Pai, para fazer a tua vontade” (Sl. 40/6-8 e Heb. 10/7), e logo se apressou a aconselhar: “Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração” (Mt.11/29); “Procurai, antes, o reino de Deus e tudo vos será dado por acréscimo” (Lc. 12/31).

Na turbulência da vida, as famílias omitem o essencial até na condução dos mais novos. Não se ensina o significado fundamental e autêntico do Natal. Engordam-se com montes de prendas e guloseimas mas o que deveria ser o centro de atracção é desviado por maldade ou incúria.

Fazem-se mil e uma ofertas a toda a gente, aos grandes e aos pequenos, mas o aniversariante permanecerá sem nada. Acontece um desvio da verdade que compete a cada um de nós corrigir. Há que educar os mais jovens a partilhar vida e acção. Que não queiram só receber mas distribuir também. Que não anseiem pelas prendas mas que as dêem ao Deus Menino, por aí algures, confundido nas crianças indefesas e abandonadas; nos rapazes e raparigas perdidos nas encruzilhadas da existência; nos pobres e idosos que não experimentam a luz da alegria; nos desempregados que desesperam pela impotência de sustentarem a si e aos seus; nos que perderam já a esperança de encontrarem o conforto da fé e do respeito.

Uma prenda para Jesus. Ele é o aniversariante.

Não um desperdício para o pai, mãe, filho ou amigo, mas um miminho do pai, mãe, filho ou amigo para Aquele Jesus que veio, pela verdade e vida, refazer os projectos do Pai e dizer a todos os homens bons e de sentimentos humildes e receptivos que o mundo se há-de transformar quando os mesmos homens abrirem, de par em par, as portas da inteligência e do coração e aceitarem o grande desafio de não alijarem nos ombros dos outros o que podem e devem realizar e consolidar com as suas próprias capacidades.


Manuel Armando





















quinta-feira, 11 de novembro de 2010

“CREPES” PARA O MEU POLVO




ERA UMA VEZ…



Ou… “CREPES” PARA O MEU POLVO




Quem haverá pelos nossos sítios que nunca tenha tentado, mesmo nas dificuldades mínimas, adivinhar algo do futuro sobre coisas e pessoas?


A avaliar pelas variadas promoções da previsão quanto a futuros risonhos e felizes que nos aparecem diante dos olhos porque fazem parte das colunas de jornais e revistas, proclamados por bruxos e adivinhos “diplomados”, a coisa promete, num crescendo que não irá parar nunca. O aumento das dificuldades que não estancam quase nos leva entender e tolerar que muitas pessoas procurem encontrar soluções nas rezas e mezinhas.


Recorre-se a tudo; não interessa quem se vai encontrar pela frente desde que se apresente em lugares duvidosos, à meia-luz, ou vestindo roupas exóticas. Não se olha a preços de consulta, mesmo com a vida em franca carestia. Importa é ouvir uma voz de sereia sedutora e umas tantas promessas propaladas com uma espécie de convicção no sentido de melhorias para o dia de amanhã.


A história repete-se ininterruptamente. Até percorrendo as páginas da Escritura, deparamos com as variadas práticas de invocações e sortilégios condenados com veemência e intransigência (Vd. Ex. 22/18… Lev. 20/5-6).


Não admira que, ainda nestes nossos tempos actuais, continuem indivíduos e comunidades a deixarem-se envolver por tudo quanto seja obscuro ou se apresente como misterioso.


As metamorfoses sociais, endurecidas cada vez mais, são portadoras de inquietações graves e de instabilidades familiares conducentes a uma incultura de falsas esperanças e soluções tão infundadas como inoperantes.


Já nada nos surpreenderá, portanto, por suceder isto também nas camadas ditas desenvolvidas intelectualmente. O conhecimento buscado nos livros da ciência e da técnica não dão resposta às inquietações psicológicas ou espirituais. E parece ser mais fácil aceitar e cumprir escrupulosamente aquilo que os outros ditam, do que tentar entrar no íntimo pessoal e buscar respostas adequadas e cabais, elaboradas numa reflexão séria e humilde.


Quando se procura, com denodo, a verdade, mais tarde ou mais cedo, ela afluirá no caminho da consciência e da liberdade.


Bem se reconhece que este caminho reflexivo é, deveras, inquietante e, por vezes, desmoralizador, pois que os desejados resultados palpáveis não surgem. E daí, acontece o passo rápido para o abismo do obscuro ou nebuloso.


É impressionante constatar quantas manigâncias do ocultismo se utilizam na oferta e consequente procura de um sossego incerto e duvidoso.


Ao logo da História humana as formas de adivinhação apresentam sempre a mesma finalidade, ainda que enroupadas em normas e práticas diversas. A magia, a astrologia, a futurologia, os oráculos, os tarôs e a infinidade incontável de estratagemas que, em todos os tempos e lugares, fizeram parte das civilizações, continuam hoje a movimentar ideias, presunções e suposições.


Por curiosidade, indaguei sobre quantas “mâncias” que buscam o significado e actuação da existência, através da profecia ou pressentimento, da intuição e palpite, da previsão ou superstição. Não mencionando as infindáveis listas das práticas ocultas, nas suas variadas formas, e cingindo-me apenas à enumeração pelo alfabeto, encontrei nada menos de cento e treze métodos ou canais de esoterismo, começando em “abacomância” e continuando em “dafnomância”, “esticomância”, “necromância”, “oniromância” e outros, até acabar em “xilomância” e “zoomância”, sem omitir a “ictomância”.


Estas duas últimas práticas recordam-me a história recente do polvo “adivinhão” que “previa” resultados desportivos e que, por isso, adquiriu o ensejo de ser desejada a sua aquisição, mais que a dos próprios craques da bola.


Por causa de tudo o que na ocasião ouvi, nasceu-me também uma tentaçãozinha. E vai daí, fui à lota e merquei um molusco igual. Posto no aquário, iria, depois, substituir-me no atendimento a quantos me procuram pensando que sou curandeiro ou adivinho.


Tudo isto quase em segredo profissional.


Todavia, as minhas esperanças goraram-se. É que, entendendo que tal exemplar seria para confeccionar um apetitoso pitéu, quem me prepara a mesa em cada dia, desconhecendo a minha intenção, imobilizou os respectivos tentáculos inteligentes e envolveu tudo num apetitoso arroz. E bem me soube porque imaginei ser outro que não o meu futuro suposto auxiliar.


Então, e desde agora, que ninguém mais me procure na mira de qualquer previsão ou sanação. Sem o meu polvo desço ao patamar dos dotes muito precários, mas, ainda assim, também acredito que as pessoas não vão deixar-se levar pelo charlatanismo de quem coloca papeis de promoção das artes divinatórias nos vidros dos carros ou em anúncios dos jornais.


Modos de ganhar a vida, ludibriando os incautos que não põem a cabeça a funcionar e a cumprir o seu dever.






P.S. – Quando escrevinhava estas linhas foi anunciada a morte do tal polvo que adivinhava, com a pronunciação das respectivas honras fúnebres e a perpetuação da sua memória em nome de rua.


É certo que aquele meu polvo teve sorte diferente mas a sua morte foi digna e mais útil.


Por tal razão, para ele vão os “crepes”, (não os chineses de massa açucarada, por sinal bastante agradáveis), mas os do meu luto.


E que ambos “requiescant in pace”, ou seja, “descansem em paz” e não desequilibrem a capacidade inteligente de quaisquer outros mortais.



Manuel Armando

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

QUEM PAGA A DÍVIDA?

ERA UMA VEZ…

OU… QUEM PAGA A DÍVIDA?
                                 




Afirma-se, sem rebuço, que cada português deve, em média, uma batelada de euros ao Fundo das economias internacionais.


Dou mil e uma voltas ao miolo, faço uma retrospectiva aos meus tempos anteriores e confesso, com toda a sinceridade, não topar qualquer apontamento de dívida, por mim contraída e ainda em aberto. Julgo não encontrar no mais fundo da minha consciência ou no baú do subconsciente nenhuma memória de facturas por saldar. E agora, quando reparo que as minhas economias não são elásticas até procuro evitar os gastos supérfluos.


Também atesto, por todas as alminhas, que não comprei submarinos, nem aviões ou helicópteros, não negociei estradas ou caminhos-de-ferro para chegar mais rapidamente ali ou acolá. Nem sequer estabeleci quaisquer relações comerciais com o exterior. O meu produto não comporta pactos que me endividem.


Por aquilo de que me acusam, e devendo pagar a tal minha parte da dívida contraída por outrem, descubro que terei de passar o resto da vida sem qualquer capacidade de saldar o que me impuseram sobre os ombros, pois o que aufiro não dá para fazer reservas e os recursos nucleares não aparecem.


Fico, pois, pesaroso e perplexo diante de toda a conjuntura actual e, ainda, nem descortino as veredas por onde poderei fugir às portagens da vida.


Dizia minha mãezinha que “dívidas e pecados, cada um pagará os seus”. Sei que o pecado tem dimensão social e colectiva, mas creio que também o dever de pagar abrangerá todos. Não se peça, portanto, o aperto do cinto a quem nem tem barriga para aguentar tal espartilho.


Os reformados já pedem fiados os medicamentos e comem as côdeas encarquilhadas e rijas que demoram muito tempo a digerir. Os desempregados acabarão por ter de destapar os contentores em busca de rebuscas para enganar a fome. As crianças poderão ir para a escola com a barriga “a dar horas”, enquanto outras esbanjarão.


As subvenções deverão ser olhadas mais nos trâmites da justiça.


Neste momento, muitos barafustam; outros exigem e uns terceiros pregam a paciência.


Nestas circunstâncias, atrevo-me a pôr mais uma acha na fogueira, de si, já muito rubra. Sugiro, então, a todos os que se alcandoram nos lugares cimeiros que sejam os primeiros a apresentarem o seu exemplo de esforço. Os senhores presidentes ou ex-presidentes disto e mais daquilo (nem que seja da República), todos os senhores ministros e deputados, os dirigentes maiores dos partidos políticos (sem distinção nenhuma para ninguém) prescindam de dois ou três ordenados e reformas ou outras alcavalas e benefícios (e ainda lhes restarão mais algumas minas donde lhes escorre sempre o maná…), em favor de toda a comunidade e tudo mudará de aspecto porque se põe a descoberto e será respeitado o exercício da elementar justiça. A face desta sociedade irá transfigurar-se, de certeza.


Caso contrário, voltaremos a cantar, sentida e dolentemente, a balada do Zeca Afonso: “Eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada”.


Sem mais.





P. Manuel Armando

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

FOME DO PÃO OU FOME DE DEUS?


Todos sabemos que a fome é um fenómeno das várias latitudes, no tempo e no espaço, enleando nas suas garras milhões de seres humanos e castigando, sobremaneira, os mais inocentes, as crianças, que nada fizeram de errado para serem atingidas por tal flagelo.

Desencoraja-nos a realidade de sabermos que não existe ninguém privado do pleno direito de possuir o mínimo essencial, onde faça assentar um desenvolvimento digno e uma estabilidade económica para viver como pessoa, mas que, pelo contrário, muitos não usufruem, mesmo nada, de pão, instrução, habitação ou saúde.

Falamos de estômago cheio, porquanto, com felicidade, ainda não somos abrangidos por aquelas crises mais acutilantes que testemunhamos nas comunidades dos terceiros mundos. Será, portanto, bastante inverosímil acreditar que as gentes mais novas e as futuras venham a intelectualizar a dimensão dos efeitos catastróficos da penúria que amarfanha ou dizima populações inteiras.

Há umas décadas atrás, viveu-se um período assaz difícil mas, por que não dizê-lo, com equilíbrio familiar, pois experimentado sem grandes floreados nem manifestações espampanantes. Não se exibiam opulências vãs e as queixas eram sufocadas pelo trabalho de cada dia e igualdade de todos os membros da família.

É verdade que tais épocas nem foram o protótipo de um viver e, por isso, não deixaram saudades. Mas, hoje, será benéfico, em diversos e numerosos casos, experimentar o cadinho da modéstia e da carência.

Actualmente, presenciamos a fome à nossa volta e procuramos analisar o porquê da sua presença. A falta de trabalho, as leis permissivas, laxistas e inconsequentes, o convite à inactividade local, a deserção das aldeias e seus campos, a filosofia da dependência parasitária do trabalho e rendimento dos outros, o aumento, em número, dos quadros superiores sem rumo de actividade, poderão ser razões aduzidas para o crescimento da fome no mundo. Todavia, não nos podemos quedar nestas desculpas que, no fundo, são um tanto ou quanto esfarrapadas. Teremos de penetrar no íntimo do homem para descortinarmos a causa terrível da fome.

O homem deprava-se em larga medida. Cria determinadas riquezas mas canaliza-as para a guerra, nas suas mais variadas vertentes e manifestações ou para gozos e jogos pessoais e de grupos. Os povos que já possuíam riquezas naturais são, agora, despojados delas pela ambição desmesurada dos donos das grandes economias mundiais. Onde se encontravam condições justas e decentes de vida, passou a experimentar-se a escravização, a incapacidade de cultura, a fome e a morte. É a incoerência do trato humano daqueles que gritam contra a fome, cobardemente porque a provocam com o seu egoísmo centralizador de bens.

Que não se busquem também outras razões no aumento demográfico porque tal não passará de tremenda trapaça e ignominiosa mentira. As leis aprovadas, por toda a parte, em relação à vida e seus afins, estimulam a miséria moral e o aviltamento das famílias e minimizam o fruto do seu trabalho pois quando não se lhe atribui a devida importância ele deixa de ser realizado e a fome invade os sectores vitais do agir humano.

Já, muitas vezes privei com a fome física. Contudo, reparo que esta é sempre o produto da inconsciência e embotamento sobre a fome da verdade. Se esta, a verdade, fosse encontrada e respeitada aquela, a fome, seria vencida para todo o sempre. É uma utopia? Certamente. Todavia, torna-se severamente urgente, cada um tentar descortinar a dignidade a que todas as pessoas têm direito.

Não é descabido lembrar o princípio de todos os homens serem criados na igualdade de direitos e deveres. O facto de Jesus Cristo ter avisado de que sempre existiriam os pobres, não significa que preconizasse a miséria humana. Desejava, isso sim, é que todos continuássemos a trabalhar em ordem a melhorarem-se as condições de vida.

A fome acontece onde o amor não escorre nas fontes das comunidades. Lembramos a viúva pobre que tornou a sua oferta rica na partilha com outros que passavam as inclemências da fome (Lc.21/1…).

O mesmo Cristo apelida de felizes todos aqueles que, tendo a consciência de serem pobres, trabalham a fim de os demais poderem também alcançar o sustento côngruo pela humildade e persistência. E afirma isso mesmo sem quaisquer reservas nem sentidos alienantes: “Felizes os que agora tendes fome porque sereis saciados” (Lc. 6/21 ou Mt. 5/6).

A verdade insofismável é que existe a fome material para milhões de pessoas no mundo; no meio em que vivemos, ela está presente. Mas nada mudará se ninguém se preocupar em descobrir e fomentar a igualdade de direitos para todos os filhos de Deus.

A fome física não será vencida, nunca, se a fome de Deus e da Sua Verdade não for saciada.

Razão para a oração de mesa que assim reza: “Senhor, dai pão aos que têm fome e fome de justiça aos que têm pão”.

P. Manuel Armando

terça-feira, 31 de agosto de 2010

ADMIRAR PARA IMITAR





Era uma vez...OU… ADMIRAR PARA IMITAR


Gostamos de ler e estudar a História, fazendo dela uma análise crítica elucidativa sobre acontecimentos e feitos de comunidades ou pessoas. Lidamos com muitas coisas romanceadas e admiramos os personagens e os autores. Quase convivemos com homens e mulheres ilustres que marcaram a sua época e o seu mundo com ideias e factos. Estes adquiriram, por um direito próprio, a perpetuação nos anais das recordações de ruas ou estátuas nas praças públicas.


Ansiamos, com naturalidade, conhecer os seus feitos ou como se demarcaram dos demais indivíduos que, por seu turno, parece nada terem realizado de extraordinário ou normal na vida por que passaram.


A promiscuidade dos grandes artífices da humanidade com os inúteis constitui determinado termo de equilíbrio. Uns violentam o desenrolar dos tempos para caminhos sempre futuros e criadores de paz e desenvolvimento, enquanto os segundos travam o andar e emperram os grandes empreendimentos.


Seja como for, mas as diversas fases históricas prendem a nossa atenção e espevitam a vontade curiosa para também nós experimentarmos algo que nos personalize e subtraia ao marasmo entorpecedor da inutilidade. Há sempre pessoas que acarretam consigo carismas sociais, culturais, artísticos, políticos, económicos, desportivos ou de religião que as tornam singulares. E porque tudo nelas foi aproveitado em prol de um benefício comunitário, será impossível que essas personalidades passem, alguma vez, da memória dos tempos. Existiu sempre substrato sério que tornou bem firme o alicerce da construção segura. Passaram os tempos com ventos e tempestades mas as pessoas com as suas coisas e ideias permaneceram de pé, suscitando a contemplação e exemplo aos outros.


Não teremos nunca a hipótese de trazer à memória todas as figuras eminentes nos vários campos das actividades humanas nem, sequer, de as imaginar. Mas, ainda bem que muitos não deixaram o esquecimento ser a paga para quem tanto fez e ensinou.


Trazer à evocação individualidades importantes nas suas respectivas vertentes é permitirmo-nos a veleidade de concluir que dotados somos todos nós, os inseridos nesta humanidade imensa, mas que pouco ou nada realizamos baseados no paradigma da infinita plêiade de homens e mulheres que souberam, na humildade e no silêncio, fazer render os talentos de que foram exornados.


Desde a criação do ser racional, sempre foram inumeráveis as figuras proeminentes que ficaram indelevelmente fixadas nos memoriais da História. Não há épocas nem locais que se diferenciem nesta verdade. É saudável observar Jesus Cristo, centro irradiador de todas as capacidades de intimidade e exterioridade, protótipos para quantos se vão preocupando por um mundo mais feliz nos diferentes sentidos.


Quem não admira a actividade de todos os Apóstolos, ou a ciência, bondade, abnegação, altruísmo, o estudo e as descobertas variadíssimas nos campos gerais da capacidade mental e física de tantas e tantas outras individualidades?!


Aproveitando somente a título de exemplos, mais perto de nós no tempo, como não se deixar tocar e entusiasmar com uma Doutora Rita Levi-Montalcini, neurologista italiana, prémio Nobel da Medicina que, aos cem anos de idade, continua com a mesma filosofia de vida e afirma: “Gosto é do que faço em cada dia”?!


Jamais poderemos passar ao lado do controverso Leonardo Boff, eivado da profunda espiritualidade com que contempla a existência, os humanos, o universo, as coisas… Escreveu: “Estamos sempre em génese. Começamos a nascer, vamos nascendo em prestações ao longo da vida até acabar de nascer. Então entramos no silêncio. E morremos”.


Admiramos Edith Stein, - Santa Teresa Benedita da Cruz, - polaca, de origem judaica, filósofa, carmelita, que traz em sua intensa vida uma síntese dramática deste século. Nela olhamos a coragem do Padre Kolb. Ambos mártires do Nazismo que se ofereceram, vítimas do amor pelos outros.


Passamos diante da humildade e acção de Teresa de Calcutá, Mahamat Gandhi, Luter King, alguns dos últimos Papas da nossa Igreja, e inúmeros outros vultos universais que nos legaram uma herança de esperança num mundo melhor e mais sorridente.


Continuamos a cantar, como disse o nosso Camões, também ele entre os grandes, “aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando” (Lusíadas, Canto I, estância 2).


E fazemo-lo não para reproduzir os seus ditos bombásticos e bater-lhes palmas, mas a fim de nos apercebermos do homem importante que existe no íntimo de cada um de nós. Se contemplarmos a todos desta forma positiva, pode ser que, ao menos imitando-os, procuremos realizar alguma coisa útil e construtiva na vida.



Manuel Armando

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

...NÃO É FELIZ OU INFELIZ QUEM QUER



OU… NÃO É FELIZ OU INFELIZ QUEM QUER

Quantos serão para todos nós, em cada sítio e momento, os encontros fortuitos que experimentamos tanto, ao vivo. Às vezes nem damos conta de tal coisa. Mas, se estivéssemos abertos a quanto acontece à nossa volta, de certeza, que o nosso próprio agir nos mudaria, em muito, as atitudes de aceitação dos pequenos problemas. Entenderíamos aquelas situações expressivas e difíceis que ombreiam connosco sem que disso, frequentemente, nos apercebamos.


Embrenhamo-nos demasiado no nosso ego, assumimos posições budistas e idolatramos o nosso umbigo. Não elevamos os olhos até aos andores que, à nossa volta, transportam as carências, as incompreensões, as desilusões, os cansaços, a escravatura, ou também a liberdade, a altivez e a humildade silenciosa, a solidão e as cruzes que se arrastam com alguns laivos de aceitação embora, também, grande parte delas carregadas de desânimo ou desespero.


E tudo isto, ocasionalmente, sem a mínima possibilidade de ajuda pretendida e necessária, porque as coisas acontecem caladas, escondidas e envergonhadas.


O corrupio frenético de cada um, em todos os instantes, parece querer tapar a realidade difícil que acabrunha tantos pais e mães de família, homens e mulheres que sofrem na sua pele os horrores de um viver que, supostamente, deveria dirigir-se para a felicidade mas que, pelo contrário, arrasta na direcção do descalabro ainda quantos idealizaram um caminho diverso daquele ao qual passaram sem culpa individual.


O modo de encarar o nosso eu mudaria, com inteira certeza, se nos fosse dado perscrutar o lado interior de quem corre à volta de nós.


Aqueles formigueiros de pessoas que se apressam, nos carreirinhos e aos atropelos, cruzando-se nas grandes superfícies ou centros de agitação, quase nos alienem e impedem de vivermos o sentido pleno do dia-a-dia que Deus nos proporcionou com tudo o que é bom ou traz provações que, sendo de si cáusticas, endurecem, todavia, as capacidades de resistência.


A movimentação das aldeias ainda reserva no seu interior uma tranquilidade quase equilibrada das famílias e dos grupos que se conhecem reciprocamente e demonstram, até, algo de solidariedade. Mas revistamo-nos com a pele de quantos não podem deixar a azáfama quotidiana a qual não conhece interregnos nem descanso. Experiência difícil, mas enriquecedora, em concreto.


Isto que digo não é de forma nenhuma uma prédica para ninguém. Ou, melhor, é uma meditação séria para mim próprio. Parece que eu vivo em paz, mesmo com as inerentes dificuldades naturais de vida diária humana e de missão. Não despejo a minha arrogância ignorante sobre quem quer que seja, só porque não terei alcançado, alguma vez, os meus objectivos imediatos. Procuro não tirar ilações precipitadas sobre acontecimentos, cujos fundamentos eu desconheço. É uma filosofia de vida, mas penso ser a mais correcta e cordata.


Era uma senhora ou menina, como a posso retratar, a quem, num momento rápido, lhe ouvi o nome, a nacionalidade, a maneira de encarar os seus dias. Enquanto ela procurava comprar uma bebida para presentear algum familiar, indagou sobre os meus conhecimentos enólogos, como ajuda. Fraca porta a que bateu. Mesmo assim, meio a recrear-me, indiquei determinada marca de Whisky como se eu fosse, de verdade, apreciador ou entendido.


O diálogo foi, forçosamente, fugaz. Mas sobrou tempo bastante para lhe responder à pergunta que me disparou, não sei porquê: “Você é feliz?”


Eu próprio quis correr para onde houvesse um espelho que facilitasse contemplar-me e ver se o meu cariz indicaria algum problema. Certo que, dias antes, eu mesmo senti, e não sei porquê, uma ansiedade ou angústia dentro de mim mas que logo se desvaneceu e ainda bem.


A senhora, menina, repito a minha consideração, discorreu em catadupa sobre as suas incertezas e vivências de escravatura autêntica que, desde tenra idade, ia penando. Agora, com os seus vinte e tantos anos, estava sujeita aos caprichos económicos de um holandês octogenário que a agrilhoou no Brasil para onde, então, se dirigia. E mais não disse. Os sinais sonoros anunciaram que as pessoas não podem procurar auxílio para quaisquer mazelas do foro interior.


Também para mim soaram os mesmos sinais. A vida é assim. As pessoas passam por nós, ou antes, tropeçamos uns nos outros mas, nem sempre depreendemos que, diante das dificuldades humanas de outrem, esquecemos de agradecer a Deus o nosso bem-estar.

Manuel Armando

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

...TODOS TEMOS O DIREITO DE VOAR


ERA UMA VEZ…

OU… TODOS TEMOS O DIREITO DE VOAR


Foi há já muito tempo que viajei pela primeira vez de avião. Nem quase me vou lembrar de todos os pormenores e, também, isso pouco interessará para o caso. Sei, apenas, que entrei no bojo de tal bicharoco com o coração mais pequenino que um grão de trigo.


Fiz o trajecto, num eito de três cadeiras, ocupando a do meio, entre os outros dois comparsas. Íamos para as terras do tio Sam em missão de entretenimento, na tentativa de aliviar as agruras e saudades de emigrantes e, porque não, receber alguma recompensa.


Um elemento do trio era, nem mais nem menos, a grande escritora e poetisa Odette de Saint Maurice que, ao tempo, elaborava umas crónicas para a Rádio Emissora Nacional. Com grande valor, diga-se, essas deambulações literárias.


Recordo as achegas que ela ia ditando para o papel enquanto partilhava, também connosco, seus companheiros de aventura e acção, algumas das reflexões pesadas pelo muito saber, sensibilidade e grande habilidade.


Referia a grandeza de um cosmos criado e observado em oposição à mesquinhez ou pequenez do homem comum. Pode este ter descoberto muitas técnicas para desvendar até os arcanos de um universo sem fim, mas não passa de um ínfimo ponto, quase imperceptível, a existir no emaranhado mistério do mundo criado e usufruído por todos nós que deveríamos respeitá-lo e trabalhá-lo em ordem ao equilíbrio total.


Volvidos vários anos e feitas, entretanto também, algumas outras viagens semelhantes, continuo o esforço de me reconhecer este átomo minúsculo que sou, escolhido, apesar de tudo, para fazer parte integrante e activa na tarefa de construção da harmonia e da paz globais.


Reparo, através dos vidros destas exíguas janelas hermeticamente fechadas, a grandura de uma bola que parece estar de pernas para o ar, com as nuvens da parte de baixo da nossa observação com toda a sua beleza e úberes de água que regará aquela terra que produz o pão devido a todo o ser humano.

Imagino, cá de cima, essa terra a abrir a boca procurando não perder sequer uma gota, tal-qualmente aqueles passarinhos implumes que, nos seus ninhos onde nasceram e continuam a crescer, abrem os bicos para receberem o alimento que a generosidade e o sentido de responsabilidade dos progenitores respectivos lhes levam.


Confesso que sempre mais tenho receio de caminhar nestas alturas, mas, ao mesmo tempo, invejo positivamente aqueles que transcorrem este cosmos, dentro das naves, procurando descortinar a verdade da Criação. Um dos primeiros astronautas desta nossa história moderna foi interrogado sobre se encontrara Deus em algum sítio, uma vez que teria andado muito perto do Céu. Ele respondeu com simplicidade, respeito e firmeza que, embora não O tivesse topado de modo pessoal em algures, O experimentou presente em toda a maravilhosa ordenação do globo que habitamos.


Ora, pois na realidade, se a nossa vaidade não fosse o véu opaco que nos escurece a inteligência, de qualquer modo e em todos os lugares, reconheceríamos a insignificância que somos e descobriríamos o Criador.


Direis que tudo isto é uma congeminação muito idealista ou aérea. Não admira, e perdoem-me o facto, porque estou a escrever este texto dentro daquele aparelho que chamam avião.

Manuel Armando

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

ERA UMA VEZ...Ou…TODA A ATENÇÃO É POUCA!


Uma coisa normal e humana é o facto de qualquer pessoa ter algo que lhe ocupe alguns tempos livres de que possa dispor para se valorizar cultural e sociologicamente. Efectivamente, há tanto de útil e aproveitável que até se torna defeito e quase pecado de omissão não aproveitar tantas fontes de riqueza emocional que estão ao alcance de toda a gente, ainda que em condições e graus diferentes.



Quando alguém não pode “brincar” com aparatos de gastos astronómicos deve lançar a mão às coisas que, por mais comezinhas que pareçam ser, terão um valimento de enorme alcance.


Tornar-se-ia fastidioso pedir a todos os amantes de entretenimentos que os enumerassem para uma listagem completa. Seria complexo. Os coleccionadores de tudo e mais alguma coisa, facultariam uma fila interminável de temas e objectos que, mesmo trazendo satisfação e ocupação ao ego de cada um, seriam a denúncia de tantos dinheiros aplicados e sustento de grandes recreações e gastos.


Desde as produções de peixes e pássaros, de cães, gatos e outros animais mais diversos, até às colecções de notas, moedas e selos, caixas, pacotes de qualquer coisa, canetas e relógios, peças de roupa e calçado, miniaturas de tudo, e por aí adiante, um manancial ou um caudal se engrossa sempre mais.


De tudo há concursos, certames, mostras e vendas.


Muitos trabalham só para esses momentos; outros espreitam apenas, porque levados pela curiosidade e incapacidade económica de ir mais além disso.


Na verdade, a vida assim atinge uma diversidade de cambiantes extraordinariamente enriquecedores não só para quem realiza como ainda para aqueles que dispõem das oportunidades de usufruir e embevecer-se, simplesmente, com a observação de semelhante ocupação cultural.


Todavia, por vezes, os exageros que acontecem por entusiasmo e distracção, pagam-se a um preço bastante alto.


Não sou coleccionador de coisa alguma, mas recordo que, há anos atrás, me ofereceram um casal e meio de codornizes. Em vez de as reduzir a um estufado ou fricassé apetitoso (feito por mãos hábeis, não pelas minhas, claro), optei por arranjar-lhes uma capoeira onde começaram a pôr ovos que, depois em chocadeira, reproduziram a cem por um. Para resumir, posso afirmar que, volvidos alguns meses de curiosidade e arrebatamento, o número de tais aves subia a várias centenas. As rações tiveram que aumentar de modo uniformemente acelerado e ascendente. De tal modo as coisas se iam processando que, quando “acordei” para a realidade, já só tinha um braço de fora e, felizmente, também a cabeça para pensar e, ainda, os olhos para ver. Estes bichinhos tanto comiam que quase me iam engolindo por completo. Apliquei travões a fundo e decidi, com sentida mágoa é certo, colocar ponto final à história que me consumia tempo e dinheiro.


Porquê este arrazoado episódico?


É que no desenrolar da crise económica agora vigente, deparamos com distracções de famílias que tentam acompanhar e sustentar a avalanche de exigências dos elementos mais novos da casa que não são guiados a avaliar os gastos demasiados ou os desperdícios de coisas e tempos que jamais aceitarão não experimentar. E no receio de as coisas descambarem “para o torto” os que deveriam ser os mais responsáveis continuarão a fazer caretas e figas à crise, endividando-se por causas vazias de sentido mas promotoras, apenas, de vaidades e espírito de competição.


É uma educação que não gera agressividade de procura pessoal consciente e responsável, mas conduz à consequência de se tornarem indivíduos sem valores nem bases para, eles próprios, criarem as suas defesas inerentes, frente ás dificuldades que ainda estarão para surgir.


Estou em crer, ou mais bem dito, conhecem-se pais e mães de família incautos que vão sendo autenticamente engolidos pelas reclamações e exigências desmesuradas dos filhos. E o pior ainda é que esse mergulho submerge em primeiro lugar a cabeça que perde a sua potencialidade de pensar e discernir as ocasiões e circunstâncias.


Criações, colecções, ambições, distracções podem ser preços muito elevados a pagar, sobretudo por quem, sendo um pequeno sapo, quer apresentar-se num corpanzil de boi.


Manuel Armando





Manuel Armando

domingo, 25 de julho de 2010

ERA UMA VEZ…ATENÇÃO ÀS “FORMIGAS”…



Confesso que não me invade qualquer sentimento hostil em relação àqueles animálculos que incomodam tantas pessoas por causa das diabruras que fazem na sua actividade mais que agitada de todos os momentos. Para quem não sabe quero referir-me às formigas. Sobre elas move-me, apenas, um desejozito de vingança pelas vezes que competiram comigo aquando da minha idade de infância. É que, no momento de eu atacar o cartucho onde minha mãe guardava o açúcar, já elas tinham provado ou, mesmo, comido parte da doçura. E eu tornava-me quase furioso ao sentir que alguma, por engano, me atingia na língua injectando um humor bem acre e mordente.

Apesar de tais contrariedades de percurso, até nós as crianças do meu tempo, nos convencíamos prestar ajuda a tais bichinhos quando traçávamos e alisávamos os carreirinhos por onde haviam de passar limitando-os com murinhos. Pensávamos nós que elas seriam incapazes de o fazerem por si sós. Era e é um rotundo engano.

Ao longo da vida fui descobrindo o poder atómico que têm as formigas. Ainda me recordo do tempo de escola quando se lia um texto apelativo sobre a “formiga rabita”, sempre num trabalho insano e persistente a fim de amealhar o sustento necessário para o dia ou épocas seguintes. Elucidativa é, na verdade, a fábula de Esopo, traduzida por La Fontaine e comicamente versejada pelo nosso Bocage, em que contrastam, cara a cara, o labor da formiga e a “cantorolice” da cigarra imprevidente, no Verão.

Bem entendemos que sendo minúsculos seres, elas são agentes fortes para o equilíbrio da natureza. E quanta força física e de “vontade” demonstram quando transportam volumes enormes de comida e outros bens necessários para o armazém da sua casinha. Razão para o elogio bíblico: “No mundo existem quatro seres que são mais sábios do que os sábios: as formigas, povo fraco, mas que recolhe comida no Verão…” (Livro dos Provérbios, 30/24). E como se ajudam em grupo organizado! E o olfacto de que são dotadas, fazendo-as descortinar os objectos do seu interesse a distâncias tão longas! E como gostam do que é bom e doce!

É assombroso descobrir os “bunkers” que constroem para a sua defesa e hibernação. Até chegarem aí, caboucaram quilómetros de sulcos sem as sofisticadas máquinas da invenção humana.

Mas teremos imaginado já o quanto minaram, moeram, removeram ou destruíram até atingirem a construção do seu “habitat”?!

Supusemos, alguma vez, que um enxame de formigas, no silencioso desenrolar do tempo, cava a ruína total de uma casa sem que ninguém se aperceba e lhe acuda?

Estas minhas observações conduzem-me a uma reflexão muito séria sobre o que hoje testemunhamos, sem prestarmos a atenção devida. Estamos a viver numa sociedade que deveria fundamentar-se nas bases seguras de um passado de valores que não poderiam ter-se deixado desmoronar com a facilidade e inconsciência gritantes que, actualmente, experimentamos.

São os próprios grupos, famílias, associações, movimentos que vão minando a educação, a estruturação das seguranças humanas, cívicas, religiosas e vitais. Não se assume a exigência consciente de joeirar o que nos entra pelos olhos e ouvidos, vindo dos mais diversos meios de comunicação e, aí, temos a sociedade a ser minada nos seus alicerces que são as crianças que ouvem e vêem todas as maluquices do actual modernismo sobre homossexualidade, morte, guerras, separações e divórcios, violência doméstica e social, desinteresse ou hostilidade familiar por tudo quanto é compromisso e responsabilização.

Sucede mesmo que essas mesmas crianças são acicatadas, incendiadas e até, conscientemente ou não, atiradas pelos próprios pais contra pessoas sobre quem eles demonstram não nutrir quaisquer simpatias ou apreço, mas que expelem gana de denegrir algum trabalho por mais sério e útil que seja.

Estas crianças crescem na vida sem um padrão de verticalidade nem tempo ou condições para discernirem entre o bem e o mal, porque os seus responsáveis não lhes ensinam o trilho correcto de uma boa conduta. São absorvidas totalmente pelas suas ocupações permanentes do ballet, patinagem, piscina, dança, explicações, desporto, sem tempo para absorver uma aprendizagem familiar dos valores que, por seu turno, se vão desintegrando e sumindo nas sombras do desinteresse e do desconhecimento.

Há que dar luta sem tréguas a esta espécie de formigas minadoras e mortíferas que se escondem no próprio seio da família. Terá de usar-se muito insecticida, porque a construção do homem vai sendo pulverizada por estes bichos venenosos que, ao princípio, parecem inofensivos mas que são o paradigma de uma sociedade futura podre e sem objectivos que ultrapassem o que é meramente material e hedonista.

Triste mundo que vai morrendo para o futuro, se é que irá existir futuro.

Manuel Armando


sábado, 5 de junho de 2010

ERA UMA VEZ…OU… PAR OU ÍMPAR?







Quero recordar uma peça de teatro popular que, em tempos idos, ajudei a pôr em cena com gente jovem sempre ansiosa por ocupar as suas folgas num convívio reparador e vivificador de amizades, enquanto se tornava útil aos demais, divertindo-os.


Desconhecia-se o autor de “Guerra aos Ímpares”, mas que era engraçada, isso sim. Descrevia a história de uma matrona maníaca, com uma série de criadas ao seu serviço que andavam sempre na linha e num constante rodopio porque ela se irritava com tudo e mais alguma coisa, sobretudo quando lhe falavam de ímpares. Daí que exigia fazer e utilizar todas as coisas sempre em duplo, desde os dois passos de cada vez, as duas cadeiras em que se sentava, levantar dois dedos para qualquer palavra ou gesto, ter os objectos domésticos, os quadros de parede, bonecos e outros “bibelôs” sempre em dobro; números pares de empregadas a quem pagava o ordenado em quantia par. Quando lia dois jornais usava dois pares de óculos…


Cada um pode agora imaginar a quantidade enorme se extravagâncias e excentricidades que esta protagonista, sempre em palco, manifestava na sua maneira de ser, tão fora do comum.


Todavia, pensando bem, reparo que o facto não será assim tão esquisito e inusitado como aparenta. De vez em quando, dou por mim a enumerar quantas coisas fazemos ou possuímos aos pares e tantas outras que desejaríamos assim acontecessem.


Examinando o exemplo da nossa compleição física, deparamos com dois olhos que se abrem para as maravilhas da luz e da natureza e se procuram fechar diante daquilo que é comprometedor e difícil ou infeliz; dois ouvidos onde entram as melodias agradáveis do mundo natural, boas palavras que enchem o coração ou por onde passam as notícias incomodativas e intranquilizantes; duas narinas que saborearão os aromas vivos das flores ou irão descobrir como este mundo caminha para a podridão e destruição; duas faces que riem ou coram, consoante os momentos. Ter duas caras é que já não será muito curial, e sucede isso em variadas ocasiões, conforme a partitura dos executantes porque se abrem dois caminhos a duas atitudes, por vezes, antagónicas entre si.


Duas mãos para gesticular, acolher e despedir, dar e receber; dois braços para trabalhar e amparar; dois pés que sustentam o corpo e o conduzem em todas as direcções úteis ou menos razoáveis.


Dentro do nosso corpo encontramos dois rins que, trabalhando bem, equilibram a saúde. Embora só um coração, mas com duas aurículas e dois ventrículos que “amam e desamam”; dois pulmões que não gostam do fumo mas, quando limpos, se enchem de ar puro para ventilar uma vida sadia.


No desenrolar da vida de sociedade, as coisas, muitas vezes assim acontecem também em duplicado.


Ora vejamos: há quem possua duas bicicletas (com duas rodas cada), ou dois carros, uma junta de bois (dois), ou duas casas. Mas ainda há quem pense duas vezes, antes de adquirir quaisquer destes bens, porque há duas maneiras ou caminhos na direcção das respectivas opções.


Em serviços de economia, por vezes, são apresentadas duas facturas a pagar por um único serviço para não se ficar só pelo original e duplicado ou químico. Mas há mesmo quem apregoe o “leve dois e pague um”, o que nem sempre corresponderá à verdade verdadeira.


Nos campos da política, da economia global e até na justiça, parece frequente haver dois critérios, dois pesos e duas medidas (uma boa e outra má), duas opções possíveis. No diálogo mais aceso, ainda se rangem os dentes com o “ora repete lá isso outra vez”…


Nalguns sectores das governações e do pensamento apresentam-se duas facções do sim e do não, na escolha ou amostragem da personalidade de aceitação.


Em duas partes distintas do jogo há que ter ”dois dedos de testa” para pensar e decidir sobre quaisquer tácticas a adoptar.


A estrutura da sociedade humana assenta no binómio da família constituída pela dupla homem e mulher, pai e mãe.


Sei que não descubro nada de novo, mas que é relevante, é.


Olhando para a Sagrada Escritura, relembro que Jesus enviou os seus discípulos, dois a dois, por todos os cantos e esquinas, anunciar coisas importantes, referentes à estruturação firme e segura de uma sociedade que terá de olhar não só a vida meramente material mas que se vire para o alto e descortine a eternidade.


Por estes pressupostos todos, e mais alguns muitos que não são lembrados, imagino quão importante e urgente se torna ler, reler, e pensar duas vezes, o livro da existência, pois o epílogo é um só e uma única será a eternidade.




Manuel Armando

domingo, 18 de abril de 2010

Palavras


PALAVRAS

Palavras foram as mantas

Que me envolveram no berço;

Acompanharam mãos santas

Onde me senti imerso,

Porque mãos de amor

E dor

De minha mãe.

Saíam do seu peito

E, ao seu jeito,

Me ensinaram

A balbuciar

E gritar

Pela bravura

Da sua ternura.

Palavras foram o desfiar

Das contas do Rosário

A rezar

E tocar

O Sacrário.

Palavra foi comunicação

E comunhão

De Deus

Com os filhos seus.

Palavra é esse Deus incarnado

No humano, cumprindo seu fado;

Ganha no homem o valor

Da verdade

Para a eternidade

Palavra é peso de alegria e Cruz
Porque Ela foi, é e será sempre Jesus.

(Lida ao microfone da RR, em 15 de Abril de 2010)          Manuel Armando



segunda-feira, 12 de abril de 2010

ERA UMA VEZ…Ou… O MISTÉRIO DAS TRANSPARÊNCIAS



Tenho sempre alguma ou, até, muita dificuldade em perceber a palavra “transparência” nos seus sentido e conceito plenos.


Como um simples e ignorante estudante que não posso nem devo nunca deixar de ser, recorri ao meu velho Dicionário de Português, companheiro mudo, mas muito sabedor e versado nestas viagens de escritas e redacções, para que não me enganasse no concernente ao significado de tal vocábulo.


E ele respondeu-me: “Transparência, qualidade do que é transparente”.


Se pouco sabia, nada fiquei a saber.


Mas, indaguei o adjectivo “transparente”. Aí li a informação: “que deixa distinguir os objectos através da sua espessura”.


Assim, fui progredindo.


Todavia, uma segunda explicação, então, já me abriu mais os meus horizontes quando traduziu: “Transparente, pedaço de tela, papel, etc, com que se afrouxa a acção da luz; estore…”


E eu a julgar que, através da transparência, se poderia mirar tudo sem peias nem cortinas; quando, afinal, há sempre algo que nos impede de ver claro, empurrando-nos para o translúcido se não para o opaco, directamente.


Demorei muitos anos a descortinar o porquê de ter conhecido um autarca que prometeu, há já longos tempos, fazer construir o edifício da sua Câmara com paredes e compartimentos em vidro transparente e, assim, todos quantos passassem ou dela necessitassem sobre alguma coisa, haveriam de alcançar tudo com verdade e em plena luz.


Desconheço se tal edificação aconteceu, sobretudo com os efeitos referidos, ainda que tenha visitado já essa cidade, em serviço e, vezes sem conta. Valha a verdade que, até hoje, ainda não me informei sobre a sua localização.


Pelo meu lado, também me deixo conquistar por uma nesguinha de santa irritação quando caminho ao lado daqueles mastodontes que se alicerçam e suportam em fortes pilares, realmente com as paredes todas em vidro, sim, mas a servir de espelho para quem está de fora e a deixar que os de dentro possam distrair-se ou alhear-se do trabalho, fazendo muitas pausas para observar, divertidos, as cenas das pessoas que circulam, no exterior, de lado para lado, numa azáfama constante em busca da vida de si tão complicada e movediça.

Ora, continuamos todos a ver quase nada e a sentir muito, sem podermos apontar novos rumos de correcção para o que está errado. A nossa colaboração poderá ser, pois, escusada.


Apesar daquilo tudo quanto é negativo e frustrante, eu gostava de idealizar uma sociedade diferente e totalmente aberta.


Para isso, deixem que alvitre e expresse um pensamento estouvado, mas sincero. Vamos imaginar que todas as habitações da nossa sociedade vão ser destruídas nuns segundos, para se reconstruírem e remodelarem em breves dias, semanas, meses ou anos. Essas novas construções serão, mesmo, elaboradas em vidro, sem quaisquer filtros, nas suas paredes externas e nas interiores. Quero aconselhar, apenas, um compartimento fechado que sirva as actividades mais íntimas de alguém em singular ou para exigências, particularmente, familiares.


O que iremos desvendar, através disso?


Casais desavindos e em discussões contínuas; agressões entre marido e esposa, entre pais e filhos ou vice-versa; comentários desabonatórios sobre tudo e todos; fome e abundância, estrago do supérfluo e aproveitamento das aparas desperdiçadas nos caixotes do lixo; choros de crianças carentes de afectividade e pão e desespero dos mais adultos; pedofilia bárbara e incestos continuados; sujidade, promiscuidade e opulência; raivas, ódios e revoltas; paciência e boas intenções; distribuição de tarefas ou, em contraste, despotismo sobre os mais desfavorecidos por causa da idade ou saúde; idosos postos num canto sem poderem dialogar com os demais; lumes apagados a tresandar a gelo afectivo; mesas vazias porque os filhos já não compartilham as refeições com os pais; e tudo quanto mais nós todos pudermos e quisermos imaginar.


Se, ainda, procurarmos alongar o olhar para sedes de associações ou partidos políticos, agremiações, instituições, mesmo ditas de bem-fazer ou desportivas, igrejas e hospitais, descobriremos cotão aos montes, a solicitar uma varridela e remodelações imediatas.


E se, porventura, passássemos aos hemiciclos da governação e aos seus passos perdidos, quanto toparíamos de crueldade, injúria, injustiça, egoísmo, desprezo pela vida e pelos direitos, esquecimento dos deveres e promessas, muitos discursos distorcidos e enfatizados, todavia, vazios. Tudo afirmado e feito em nome da transparência mas estendendo sempre o tal pedaço de tela que dificulta o bom entendimento.


Falas inflamadas dos grandes e fáceis oradores, parecendo traduzir a clareza de todas as coisas e empreendimentos, mas assentes em autênticas muralhas intransponíveis de cambalachos e negociatas, no mínimo, duvidosas, com largos buracos onde se afundam submarinos e denunciam faces ocultas.


Vamos continuar a fantasiar que tudo se encontra em franca claridade. Mas convenhamos que, nesta sociedade, as paredes aparecem-nos como medonhos muros compactos a evitarem alguma coisa que possa ser observada facilmente.


Portanto, deduzimos e concluímos que isso de transparência é uma balela, porquanto só os telhados são de vidro.