Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

...TODOS TEMOS O DIREITO DE VOAR


ERA UMA VEZ…

OU… TODOS TEMOS O DIREITO DE VOAR


Foi há já muito tempo que viajei pela primeira vez de avião. Nem quase me vou lembrar de todos os pormenores e, também, isso pouco interessará para o caso. Sei, apenas, que entrei no bojo de tal bicharoco com o coração mais pequenino que um grão de trigo.


Fiz o trajecto, num eito de três cadeiras, ocupando a do meio, entre os outros dois comparsas. Íamos para as terras do tio Sam em missão de entretenimento, na tentativa de aliviar as agruras e saudades de emigrantes e, porque não, receber alguma recompensa.


Um elemento do trio era, nem mais nem menos, a grande escritora e poetisa Odette de Saint Maurice que, ao tempo, elaborava umas crónicas para a Rádio Emissora Nacional. Com grande valor, diga-se, essas deambulações literárias.


Recordo as achegas que ela ia ditando para o papel enquanto partilhava, também connosco, seus companheiros de aventura e acção, algumas das reflexões pesadas pelo muito saber, sensibilidade e grande habilidade.


Referia a grandeza de um cosmos criado e observado em oposição à mesquinhez ou pequenez do homem comum. Pode este ter descoberto muitas técnicas para desvendar até os arcanos de um universo sem fim, mas não passa de um ínfimo ponto, quase imperceptível, a existir no emaranhado mistério do mundo criado e usufruído por todos nós que deveríamos respeitá-lo e trabalhá-lo em ordem ao equilíbrio total.


Volvidos vários anos e feitas, entretanto também, algumas outras viagens semelhantes, continuo o esforço de me reconhecer este átomo minúsculo que sou, escolhido, apesar de tudo, para fazer parte integrante e activa na tarefa de construção da harmonia e da paz globais.


Reparo, através dos vidros destas exíguas janelas hermeticamente fechadas, a grandura de uma bola que parece estar de pernas para o ar, com as nuvens da parte de baixo da nossa observação com toda a sua beleza e úberes de água que regará aquela terra que produz o pão devido a todo o ser humano.

Imagino, cá de cima, essa terra a abrir a boca procurando não perder sequer uma gota, tal-qualmente aqueles passarinhos implumes que, nos seus ninhos onde nasceram e continuam a crescer, abrem os bicos para receberem o alimento que a generosidade e o sentido de responsabilidade dos progenitores respectivos lhes levam.


Confesso que sempre mais tenho receio de caminhar nestas alturas, mas, ao mesmo tempo, invejo positivamente aqueles que transcorrem este cosmos, dentro das naves, procurando descortinar a verdade da Criação. Um dos primeiros astronautas desta nossa história moderna foi interrogado sobre se encontrara Deus em algum sítio, uma vez que teria andado muito perto do Céu. Ele respondeu com simplicidade, respeito e firmeza que, embora não O tivesse topado de modo pessoal em algures, O experimentou presente em toda a maravilhosa ordenação do globo que habitamos.


Ora, pois na realidade, se a nossa vaidade não fosse o véu opaco que nos escurece a inteligência, de qualquer modo e em todos os lugares, reconheceríamos a insignificância que somos e descobriríamos o Criador.


Direis que tudo isto é uma congeminação muito idealista ou aérea. Não admira, e perdoem-me o facto, porque estou a escrever este texto dentro daquele aparelho que chamam avião.

Manuel Armando