”SANTAS ELEIÇÕÕES, ROGAAI
POR NÓÓS”
Lembro aquelas manhãs de Maio quando, ainda
muito pequenito, era acordado, pela madrugada, para ir engrossar o grupo,
bastante numeroso, na reza das “Ladainhas”.
Ainda com os olhos ensonados, eu nada dizia
mas escutava, sem perceber coisíssima nenhuma, a invocação dos vários Santos e
Santas da Corte Celestial, em favor de boas e abundantes colheitas. Percebi este
porquê disso, mais tarde.
Nessa altura, íamos percorrendo, desde o
centro da aldeia, os outros povoados e lugarejos, na distância de alguns largos
quilómetros, durante todos os dias daquela semana determinada. A hora era duma
formidável frescura e pureza, por entre os verdes campos que acordavam para
mais um dia lindo.
O velho Prior, solenemente vestido com a
capa de asperges, lá ia levantando os nomes dos tais servos e servas de Deus,
constantes da lista, num latim naturalmente correcto porque era o idioma da
Liturgia, enquanto a assembleia do povo respondia num latinório macarrónico,
quase ininteligível: “Oráá pru nóbes”. (Nós, as crianças, com a maior das
canduras, no modo de crer e porque era a nossa maneira de entender, juntávamos
as nossas vozitas e fazíamos coro, cantando em resposta à tal litania:
“farraapos noovos”). Era o que soava aos nossos ouvidos infantis e, no meio da
zoada geral, ninguém dava pela nossa confusão.
Formulavam-se, assim, uns pedidos singelos
e sinceros do povo que vivia o seu trabalho, na agricultura de sobrevivência,
regado com a fé e esperança de colheitas abençoadas e abundantes.
O interessante a retermos era o facto de
que, alguns dias depois, a bendita chuva desejada fazia a sua aparição,
fertilizando os campos semeados.
Claro que tudo isto ia acontecendo numa das
épocas chuvosas do tempo. Mas alicerçava-se, mais fundo, a convicção de que o
Criador esperava a insistência das preces para beneficiar ou respeitar os
pedidos.
Os tempos sucedem-se, anos sobre anos, e os
usos populares vão dando lugar a trabalhos e entretimentos diversos, quiçá,
mais saborosos e atraentes, se não forem mais duros, para grandes e pequenos.
Hoje já não acontecem as procissões das
“Rogações”. Foram substituídas pelas greves e marchas de protesto frequentes.
Agora não se roga, mas imprecam-se blasfémias e esconjuros que pouco ou nada
valem nem dignificam a pacatez popular.
Presentemente impõem-se eleições,
antecipadas ou em tempo devido.
Então aqui, sim. Parece merecer a pena
pois, quando essas eleições se aproximam, algumas das exigências e pedidos
serão normalmente atendidos. Tapam-se buracos e alcatroam-se estradas e
caminhos degradados e fazem-se calçadas, aparecem inaugurações retardadas,
conseguem-se mais alguns subsídios, há muito prometidos, até para as culturas
agrícolas. Constroem-se baloiços para as crianças e, aí, também os adultos se
divertem, algumas obras são terminadas ou olhadas com algum outro cuidado
suplementar, e mais e mais.
Razão, sobremaneira, sobeja para continuarmos
esperançados e a cantar, mesmo num Português desusado: “Santas eleiçõões,
rogaai por nóós”.