SE O MUNDO ENGANA, DEUS ATRAI
Notícias bombásticas deram conta do facto
de, na Holanda, os edifícios das Igrejas estarem a transformar-se em espaços de
museus, galerias de arte e outras actividades, melindrando assim as sensibilidades
pela tão grande discrepância entre a sua finalidade inicial, - casa de
comunidade crente e orante - e a proposta destes últimos tempos.
Recordo, aqui e a esse propósito, uma
história que, muito bem, pode ser ou vir a tornar-se verdadeira.
O cura da aldeia, nesta convulsão de
mentalidades e práticas menos religiosas ou cristãs, foi experimentando uma
dispersão na deserção progressiva dos fiéis, quanto à prática dominical e
outros exercícios litúrgicos. Nos derradeiros anos, ainda algumas pessoas mais
idosas se abeiravam dos sacramentos, bem como muitas crianças frequentavam a Catequese.
Mas, também estas, no seu crescimento, foram desaparecendo e dando lugar à
opção pelo desporto e afins. Por sua vez, os mais idosos foram-se sumindo, uns
atrás outros, pela lei inexorável da morte.
O pobre prior começou a considerar-se peça
de adorno e uma mera espécie de cangalheiro. Nem os vivos, que em ar de snobismo,
acompanhavam os funerais, entravam na Igreja para as cerimónias fúnebres.
Limitavam-se a pôr em dia a conversa com os amigos, no adro, alheando-se
completamente da obra de misericórdia a aconselhar o sepultamento dos mortos
com oração e reflexão.
A
igreja, edifício, ficou literalmente às moscas porque a Igreja, pessoas, viva,
também havia morrido já. Nem os festejos da aldeia em honra dos patronos
serviam, como nos anos atrás, para reunirem os fregueses.
Passaram-se dias a fio, meses e mais longas
temporadas.
O padre ainda esteve tentado em propor a
venda do edifício para quaisquer outros fins, mas sentiu necessidade, ele
mesmo, de levar vida mais litúrgica e piedosa. Lembrou-se, então, que, naquelas
circunstâncias e sem oposição de ninguém, teria tempo para a celebração de
Missa, longe do dever consultar relógios nem preocupar-se com os afazeres dos
demais fiéis.
Decidiu, por isso, naquele Domingo,
entreabrir as portas do templo. Preparou tudo para a grande solenidade.
Paramentou-se com as alfaias mais ricas. Entrou sozinho no Santuário, iniciou a
celebração, deu respostas à sua liturgia, rezou em voz alta, fez longos
momentos de silêncio, meditou durante muitos minutos a Palavra de Deus, cantou
com entusiasmo os seus louvores a Deus, consagrou o pão e o vinho, passou a
“ver” e adorar o Corpo e o Sangue de Jesus, entregue e derramado pelos homens
que O iam abandonando, esquecidos da felicidade da Salvação. Deu acção de
graças como nunca, entrou em êxtase e até, santamente, adormeceu. Quando
acordou estava noutro Céu e noutro mundo. Nem a falta das refeições o
incomodou. Sentiu-se em plena paz.
Aproximou-se a noite. Dia cheio de
felicidade no encontro da Fé. Foi celebrante e fiel assistente, foi presidente da
assembleia e acólito, deu e recebeu a bênção, acolheu-se e despediu a si
próprio.
Continuou este peculiar modo de estar e
viver no Domingo seguinte, no outro e mais no outro, por aí adiante. Triste,
mas sentia-se confortado pela fé que ia tomando, então, outros contornos.
Por curiosidade, uma criança, num desses
instantes, ouviu o cantar de um homem só, abriu devagarinho a porta, entrou na
Igreja sem que padre desse por isso. Não percebeu nada de quanto se desenrolava,
mas ficou curiosa. Noutro dia voltou com a avó, depois chamou a mãe e o pai e
por aí fora. O sucedido correu a aldeia, de lés a lés.
Ao fim de alguns Domingos, sempre com o
mesmo ritual, o fundo da Igreja foi-se povoando com mirones.
Agora, o resto, podemos imaginá-lo.
A necessidade de Deus revisitou e
revitalizou os corações das pessoas. Nunca mais alguém pensou em alienar o
edifício.
Readquiriu-se a esperança de que os homens
hão-de ver que o mundo, com todos os seus prazeres e atractivos, não responde
aos anseios humanos, mas a Palavra, a Graça e o Amor, experimentados em Deus,
apontarão o único Caminho de Verdade, Luz e Vida.
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