Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

...quero ser da Selecção.


ERA UMA VEZ…
OU…
QUERO SER DA SELECÇÃO


Ah! Como recordo os meus tempos de criança quando, à volta de uma bola de trapos, eu e os companheiros, nos entusiasmávamos em grande alarido e, todos ao molho, lançávamos o ataque à baliza adversária, não sem antes termos “aviado” umas tantas canelas de outros tantos contendores do campo contrário.
É que ERA UMA VEZ…
Cada um de nós se obrigava, num dia, a trazer uma bola, feita com engenho e arte, para as disputas de campeonato escolar organizado por nós, naqueles precisos tempos livres dos intervalos ou após as lições. O que pagava eram as meias de cano comprido das irmãs as quais ficavam desaparelhadas porque, apenas, necessitávamos de uma. Mas, o que interessava era a nossa felicidade de momento. O resto seriam umas consequências normais e que não tinham entrado nas contas do orçamento, pois, posteriormente, o caso resolvia-se com mais chinelada menos chinelada e, ao outro dia, estávamos a comportarmo-nos do mesmo modo. Como inocentes que éramos, nada nos custava empreender porque sempre e tudo constituiria para nós êxito garantido. Divididos em dois aguerridos grupos, de vinte ou mais de cada lado e a esmo, como constava das nossas cordiais e caseiras regras, lá entrávamos nós em campo e na luta acesa pelo triunfo que nos marcaria grandemente.
Digo isto para garantir a categoria, a classe, o poderio da minha arte de bom futebol que ainda não esqueci. Sinto-me, portanto, e naturalmente, na capacidade total para reivindicar um direito que, assim julgo, me assiste.
Vou, pois, escrever umas letritas ao seleccionador nacional para que me convoque. Estou nas condições ideais mais que necessárias para fazer parte da equipa principal, a nível deste país, plantado à fresca beira-mar. As coisas resolvem-se, creio, por meio de uma cartita de pedido. Os treinos virão depois e prometo não falhar a nenhum e dar o meu melhor, como dizem todos.
E, vejam cá se estou ou não nas circunstâncias adequadas ao facto. Vou aduzi-las para melhor conhecimento geral e a fim de a votação me ser favorável. Afirmo que tenho uns ténis que são pouco mordentes porque não têm pitões agrestes; prometo não usar de violência, frente ao adversário; correrei pouco para que quem disputar comigo o esférico não se canse muito, também; se me deixarem conduzirei, com calma, a bola até ao lado contrário e meterei o golo da vitória; nas competições extra-muros não farei saídas nocturnas furtivas e nem iludirei os seguranças em minha defesa; até já tenho alguma experiência de serviços internacionais para emigrante ver; não sou levezinho, mas a minha musculatura é muito natural; e, já me ia a esquecer, posso demonstrar que sou português de gema, com Cartão de Cidadão, e não necessito que alguém me indique o caminho da naturalização, embora minha mãezita me tenha revelado, quando criança, que eu havia vindo de França no bico da cegonha.
E mais, tenho os meus impostos fiscais em ordem; estou, de certo modo, habituado às câmaras de Televisão sem olhar, envergonhadamente, para baixo; também dou entrevistas para os jornais; cem chutos meus ficam, abissalmente, mais baratos que um simples sopro na bola, dado por quem é profissional.
Prometo nunca maltratar, com impropérios, a pobre e nobre mãe do árbitro.
Que mais será preciso? Se outras razões forem urgentes, arranjam-se de um momento para o outro.
E, ainda, quando for derrotado, afianço que direi sempre ser o fruto da pouca sorte, que não perco a esperança e, como os demais, irei levantar a cabeça e olhar o futuro com esperança em resultados melhores nem que seja só em relação a prémios e ordenado.
Além de tudo sujeitar-me-ei às normas vigentes, aceitando sempre o parecer do “mister” e não irei, nunca, denegrir as suas actuações e a sua capacidade de visão objectiva das tácticas aplicadas.
Compreendo, todavia, o obstáculo que será a minha idade para uma possível concretização. Mas parece-me não existir limite neste sentido e para lá da consciência pessoal; além disso, eu comprometo-me a dar o meu melhor, e quem dá o que tem a nada mais será obrigado.
Bom, agora que já expus o meu desiderato e as minhas respectivas razões fundamentadas, resta-me a certeza de poder vir a aparecer mais gente voluntariosa e generosa a engrossar esta mesma selecção, para, de mãos unidas, elevarmos a sociedade dos nossos dias na suas mais diversas carências. Todos, ainda, temos lugar e, por conseguinte, iremos a tempo.
P. Manuel Armando