Quem sou

Quem sou
Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

ERA UMA VEZ...Ou…TODA A ATENÇÃO É POUCA!


Uma coisa normal e humana é o facto de qualquer pessoa ter algo que lhe ocupe alguns tempos livres de que possa dispor para se valorizar cultural e sociologicamente. Efectivamente, há tanto de útil e aproveitável que até se torna defeito e quase pecado de omissão não aproveitar tantas fontes de riqueza emocional que estão ao alcance de toda a gente, ainda que em condições e graus diferentes.



Quando alguém não pode “brincar” com aparatos de gastos astronómicos deve lançar a mão às coisas que, por mais comezinhas que pareçam ser, terão um valimento de enorme alcance.


Tornar-se-ia fastidioso pedir a todos os amantes de entretenimentos que os enumerassem para uma listagem completa. Seria complexo. Os coleccionadores de tudo e mais alguma coisa, facultariam uma fila interminável de temas e objectos que, mesmo trazendo satisfação e ocupação ao ego de cada um, seriam a denúncia de tantos dinheiros aplicados e sustento de grandes recreações e gastos.


Desde as produções de peixes e pássaros, de cães, gatos e outros animais mais diversos, até às colecções de notas, moedas e selos, caixas, pacotes de qualquer coisa, canetas e relógios, peças de roupa e calçado, miniaturas de tudo, e por aí adiante, um manancial ou um caudal se engrossa sempre mais.


De tudo há concursos, certames, mostras e vendas.


Muitos trabalham só para esses momentos; outros espreitam apenas, porque levados pela curiosidade e incapacidade económica de ir mais além disso.


Na verdade, a vida assim atinge uma diversidade de cambiantes extraordinariamente enriquecedores não só para quem realiza como ainda para aqueles que dispõem das oportunidades de usufruir e embevecer-se, simplesmente, com a observação de semelhante ocupação cultural.


Todavia, por vezes, os exageros que acontecem por entusiasmo e distracção, pagam-se a um preço bastante alto.


Não sou coleccionador de coisa alguma, mas recordo que, há anos atrás, me ofereceram um casal e meio de codornizes. Em vez de as reduzir a um estufado ou fricassé apetitoso (feito por mãos hábeis, não pelas minhas, claro), optei por arranjar-lhes uma capoeira onde começaram a pôr ovos que, depois em chocadeira, reproduziram a cem por um. Para resumir, posso afirmar que, volvidos alguns meses de curiosidade e arrebatamento, o número de tais aves subia a várias centenas. As rações tiveram que aumentar de modo uniformemente acelerado e ascendente. De tal modo as coisas se iam processando que, quando “acordei” para a realidade, já só tinha um braço de fora e, felizmente, também a cabeça para pensar e, ainda, os olhos para ver. Estes bichinhos tanto comiam que quase me iam engolindo por completo. Apliquei travões a fundo e decidi, com sentida mágoa é certo, colocar ponto final à história que me consumia tempo e dinheiro.


Porquê este arrazoado episódico?


É que no desenrolar da crise económica agora vigente, deparamos com distracções de famílias que tentam acompanhar e sustentar a avalanche de exigências dos elementos mais novos da casa que não são guiados a avaliar os gastos demasiados ou os desperdícios de coisas e tempos que jamais aceitarão não experimentar. E no receio de as coisas descambarem “para o torto” os que deveriam ser os mais responsáveis continuarão a fazer caretas e figas à crise, endividando-se por causas vazias de sentido mas promotoras, apenas, de vaidades e espírito de competição.


É uma educação que não gera agressividade de procura pessoal consciente e responsável, mas conduz à consequência de se tornarem indivíduos sem valores nem bases para, eles próprios, criarem as suas defesas inerentes, frente ás dificuldades que ainda estarão para surgir.


Estou em crer, ou mais bem dito, conhecem-se pais e mães de família incautos que vão sendo autenticamente engolidos pelas reclamações e exigências desmesuradas dos filhos. E o pior ainda é que esse mergulho submerge em primeiro lugar a cabeça que perde a sua potencialidade de pensar e discernir as ocasiões e circunstâncias.


Criações, colecções, ambições, distracções podem ser preços muito elevados a pagar, sobretudo por quem, sendo um pequeno sapo, quer apresentar-se num corpanzil de boi.


Manuel Armando





Manuel Armando