Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

quarta-feira, 13 de abril de 2011

DEUS VAI MORRENDO,

    Já se tornou bastante vulgar e até banal, por ocasião da Páscoa Cristã, surgir algo que parece abalar os fundamentos da Igreja e a fé de muitos cristãos. É provável que determinados movimentos sociais e literários façam oscilar alguma formação intelectual, espiritualmente mais débil, mas tornam-se também ocasião propícia para se confirmarem convicções, fornecendo tempo de procura e esclarecimento arreigado nas raízes da verdade.
    Desde há muito tempo se apregoa a morte de Deus. Nietzsche quis deixar aos seus seguidores e simpatizantes a certeza insofismável de que “Deus morreu”, traído pela sua piedade para com as pessoas. Morreu porque constituía o maior perigo para os “homens superiores”.
    Fôssemos nós dar assentimento a tal afirmação e teríamos a sociedade completamente virada para a guerra e luta de poderes, sem respeito de uns pelos outros, e na tradução de morte em tudo quanto se nos depara como fonte inesgotável de vida.
    Na insaciabilidade que grassa pelo mundo além, não ficaria pedra sobre pedra nesta pobre humanidade, sobretudo naqueles meios onde há uma desigualdade gritante entre alguns a quem nada falta e os outros que passam a vida a pedir esmola.
    Certo é que todos foram postos no mesmo caminho e, ainda, chamados a um bem-estar igual. Todavia, reparamos não suceder isso, porquanto os mais fortes açambarcam os direitos dos mais pequenos, carregando-os apenas com o ferrete dos deveres.
    Acreditamos que o Cristo, na entrega total e livre à Redenção, não deixou ninguém fora do seu projecto.
    Ele propôs, aliás, que todos os de boa vontade se associassem nesta obra de salvação do mundo e do Homem. Mas, parece que este não está a aceitar tal desafio e, pelo contrário, conduz a uma derrocada total a humanidade que se apresenta sem valores nem referências.
    Reparamos, portanto, que nos tempos actuais, serão os próprios membros desta Igreja a fazerem denegrir a sua respectiva essência e dinâmica. E não será preciso ultrapassar os muros do nosso quintal, onde o amor se vai estiolando aos poucos, em favor dum agnosticismo progressivo, talvez baseado no desespero e desilusão que as sucessivas crises acarretam.
    Por outro lado, o facilitismo ou o laxismo no seio familiar, e nos outros vários quadrantes da acção humana, fundamentará a noção de o Homem poder tudo em si mesmo, gerindo a sua acção ao sabor do seu querer egoísta e interesseiro e não seguindo os critérios imutáveis do respeito pelos valores humanos e espirituais.
    Bento XVI lembra que a sociedade procura impor à Igreja uma mudança, moldando os seus princípios fundamentais às preferências ocasionais de alguns escalões dos indivíduos.
    Assim, onde cresce a leveza de responsabilidade, aquilo que é da ordem da fé vai sendo esquecido ou combatido. Os chamados cristãos que desejam erigir uma religião à sua medida e interesse, procuram, por todos os meios e com os mais variados argumentos, crucificar e banir, no dia-a-dia, o Deus, amoroso mas exigente.
    Ausente Deus na vida e manifestações humanas, é fácil prevermos a pertença derrocada da verdade e a queda inevitável de todos no abismo.
    Da Liturgia de Sexta-feira Santa, bem podemos adaptar aos tempos de hoje os impropérios ou censuras que reportam ao Profeta Miqueias e que serão duras interrogações para os nossos desaforos: “Povo meu, que te fiz eu, ou em que te contristei? Responde-me…” (Miq.6/3).
    Na realidade, os supostos crentes vão matando o amor, a família, a vida interior, a seriedade, a responsabilidade, a noção da justiça e da verdade. O Cristo Deus, assim, vai morrendo.
    Seremos capazes de O ressuscitarmos, algum dia?

                                                                                   Manuel Armando