Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

...NÃO É FELIZ OU INFELIZ QUEM QUER



OU… NÃO É FELIZ OU INFELIZ QUEM QUER

Quantos serão para todos nós, em cada sítio e momento, os encontros fortuitos que experimentamos tanto, ao vivo. Às vezes nem damos conta de tal coisa. Mas, se estivéssemos abertos a quanto acontece à nossa volta, de certeza, que o nosso próprio agir nos mudaria, em muito, as atitudes de aceitação dos pequenos problemas. Entenderíamos aquelas situações expressivas e difíceis que ombreiam connosco sem que disso, frequentemente, nos apercebamos.


Embrenhamo-nos demasiado no nosso ego, assumimos posições budistas e idolatramos o nosso umbigo. Não elevamos os olhos até aos andores que, à nossa volta, transportam as carências, as incompreensões, as desilusões, os cansaços, a escravatura, ou também a liberdade, a altivez e a humildade silenciosa, a solidão e as cruzes que se arrastam com alguns laivos de aceitação embora, também, grande parte delas carregadas de desânimo ou desespero.


E tudo isto, ocasionalmente, sem a mínima possibilidade de ajuda pretendida e necessária, porque as coisas acontecem caladas, escondidas e envergonhadas.


O corrupio frenético de cada um, em todos os instantes, parece querer tapar a realidade difícil que acabrunha tantos pais e mães de família, homens e mulheres que sofrem na sua pele os horrores de um viver que, supostamente, deveria dirigir-se para a felicidade mas que, pelo contrário, arrasta na direcção do descalabro ainda quantos idealizaram um caminho diverso daquele ao qual passaram sem culpa individual.


O modo de encarar o nosso eu mudaria, com inteira certeza, se nos fosse dado perscrutar o lado interior de quem corre à volta de nós.


Aqueles formigueiros de pessoas que se apressam, nos carreirinhos e aos atropelos, cruzando-se nas grandes superfícies ou centros de agitação, quase nos alienem e impedem de vivermos o sentido pleno do dia-a-dia que Deus nos proporcionou com tudo o que é bom ou traz provações que, sendo de si cáusticas, endurecem, todavia, as capacidades de resistência.


A movimentação das aldeias ainda reserva no seu interior uma tranquilidade quase equilibrada das famílias e dos grupos que se conhecem reciprocamente e demonstram, até, algo de solidariedade. Mas revistamo-nos com a pele de quantos não podem deixar a azáfama quotidiana a qual não conhece interregnos nem descanso. Experiência difícil, mas enriquecedora, em concreto.


Isto que digo não é de forma nenhuma uma prédica para ninguém. Ou, melhor, é uma meditação séria para mim próprio. Parece que eu vivo em paz, mesmo com as inerentes dificuldades naturais de vida diária humana e de missão. Não despejo a minha arrogância ignorante sobre quem quer que seja, só porque não terei alcançado, alguma vez, os meus objectivos imediatos. Procuro não tirar ilações precipitadas sobre acontecimentos, cujos fundamentos eu desconheço. É uma filosofia de vida, mas penso ser a mais correcta e cordata.


Era uma senhora ou menina, como a posso retratar, a quem, num momento rápido, lhe ouvi o nome, a nacionalidade, a maneira de encarar os seus dias. Enquanto ela procurava comprar uma bebida para presentear algum familiar, indagou sobre os meus conhecimentos enólogos, como ajuda. Fraca porta a que bateu. Mesmo assim, meio a recrear-me, indiquei determinada marca de Whisky como se eu fosse, de verdade, apreciador ou entendido.


O diálogo foi, forçosamente, fugaz. Mas sobrou tempo bastante para lhe responder à pergunta que me disparou, não sei porquê: “Você é feliz?”


Eu próprio quis correr para onde houvesse um espelho que facilitasse contemplar-me e ver se o meu cariz indicaria algum problema. Certo que, dias antes, eu mesmo senti, e não sei porquê, uma ansiedade ou angústia dentro de mim mas que logo se desvaneceu e ainda bem.


A senhora, menina, repito a minha consideração, discorreu em catadupa sobre as suas incertezas e vivências de escravatura autêntica que, desde tenra idade, ia penando. Agora, com os seus vinte e tantos anos, estava sujeita aos caprichos económicos de um holandês octogenário que a agrilhoou no Brasil para onde, então, se dirigia. E mais não disse. Os sinais sonoros anunciaram que as pessoas não podem procurar auxílio para quaisquer mazelas do foro interior.


Também para mim soaram os mesmos sinais. A vida é assim. As pessoas passam por nós, ou antes, tropeçamos uns nos outros mas, nem sempre depreendemos que, diante das dificuldades humanas de outrem, esquecemos de agradecer a Deus o nosso bem-estar.

Manuel Armando