Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

sexta-feira, 18 de março de 2011

O POÇO DA VIDA

              Encontrar um poço de água viva e cristalina,
              Quando o sol nos queima e ilumina,
              É mergulhar na vida e seu mistério,
              Descobrir para as agruras o refrigério,
              Tornar mais activa a força da crença,
              Esquecer o desprezo e a ofensa,
              Saborear o dom benfazejo da frescura
              E aliviar a carga de uma tarefa mais dura.

              Ao fim dum dia, como no deserto,
              Tudo nos parece bem perto
              Daquele que nos concede a vida,
              E, na hora muito pesada e triste,
              Debaixo do sofrimento da penosa corrida,
              Ele continua connosco e não desiste.

              Toca, em momento oportuno, à nossa consciência;
              Incentiva cada um de nós à resistência
              Contra o pecado deste velho mundo;
              A Sua Palavra penetra-nos até ao fundo
              E transforma a alma da nossa vontade,
             Apontando os caminhos da verdade.

              Quero conhecer os dons de Deus,
              E Aquele que dá a água de vida eterna
              A quem tem o desejo de entrar nos Céus,
              Trabalhando para voltar à Casa paterna.

              Apontas, Senhor, para o nosso agir e mudança,
              Com esforço e coragem na persistência;
              Tua Palavra em nós é fonte de esperança,
              É água viva que jorra sem parança,
              Como sinal do Teu amor, perdão e clemência.

              És poço amigo onde encontro, em abundância,
              A graça que salva e mitiga a dor,
              Porque é límpida e nos inunda de amor,
              Acalma a constante labuta e tranquiliza a nossa ânsia.

              Leva-me, Senhor, a beber a água pura
              Do Teu poço, rico de misericórdia.
              Que Te encontre nos atalhos da vida dura,
              Espalhe a caridade onde reina a discórdia,
              Seja instrumento e voz da Tua Verdade,
              Testemunho da esperança e fidelidade.
              Esteja eu disponível para servir a quem pede
              O copo da Tua água viva que apague sua sede.

                          
                                                         Manuel Armando

                (Reflexão para o 3º Domingo da Quaresma - Ano A)

terça-feira, 15 de março de 2011

HÁ SEMPRE UM PRIMEIRO GESTO

     Diz-se que, para tudo e todas as coisas, há sempre uma primeira vez.
    Reconheçamos que, quando produzimos um gesto, ele é habitualmente o começo duma série de tantos outros a repetirem-se em constante crescendo, realizados com um automatismo alienante e persistente, sempre da mesma forma, talvez com consequências até muito alarmantes ou, no mínimo, preocupantes.
    Basta fazê-lo numa única ocasião inicial, para embotar-se o sentido observador e crítico em relação às actuações diárias dos indivíduos no trabalho, convívio ou recreio e, até, no seio da própria família.
    Atendendo aos nossos comportamentos de todos os dias, privados ou sociais, deparamo-nos diante de milhentas repetições, sem disso tomarmos consciência. A uns chamamos tiques nervosos; outros serão defeitos ou também virtudes, quem sabe, e até frutos do nosso instinto, provindos naturalmente do fundo animal que nos limita e condiciona. Frequentemente tentamos emendar, mas nem sempre conseguimos a respectiva correcção e, dessa forma, tudo continuará na mesma.
    Bom, considerando que isso não constitui vício prejudicial para nós mesmos ou relativamente a terceiros, o mal não será de grande monta.
    Ainda assim, no momento em que se verificam quaisquer danos para os restantes membros da sociedade na qual nos encontramos inseridos, teremos de fazer a avaliação adequada para detectar algum erro e, em consequência, corrigi-lo.
    Cada indivíduo saberá reconhecer os desvios, por si ou chamado à razão por outrem, e se capacitará de prover a eventuais recuos no que concerne a hábitos negativos, mesmo insignificantes.
    Escrito, isto pode não passar de um amontoado de palavras, talvez destituídas de sentido para alguém. Todavia, a mim, incluindo-me na lista dos “prevaricadores”, encaixa-me como uma luva.
    Há quem esteja sempre atento a pormenores e me recorde o facto de, por exemplo, repetir vocábulos sem precisão nem necessidade, pestanejar intensamente ou me irritar fora de tempo e a despropósito; e outras atitudes que, a enumerá-las, me fariam descobrir culpado no lado pessoal que se oculta aos meus próprios olhos e consciência.
   Todavia, quero compartilhar a observação do nosso automatismo num gesto que se tornou, com certeza e para muita gente, usual. Reconheço não gastar eu muitos minutos a ver os programas de televisão, (não é mérito nenhum da minha parte), mas não me coíbo de, ao entrar na sala onde tomo as refeições e, antes de me sentar, dar, de imediato, ao botão daquela caixinha de som e imagem. Fiz isso, uma primeira vez. Repeti, não sei quantas mais. Entrou-me no uso. Agora, ocupo os meus ouvidos com as palavras de alguém que está muito longe; fico a contemplar aquilo e quem nem nada merece, até; cerro a minha boca e não converso ou ignoro as preocupações e problemas daqueles que me rodeiam; e, depois ainda, fecho os olhos à beleza da comida ou à simpatia generosa das pessoas com quem coabito.
    Contactando as crianças e os outros mais crescidinhos descubro, com frequência, que não só eu mas numerosos pais e mães se habituaram a usar o botão do tal aparelho, para desviarem a sua atenção das inquietações apresentadas pelos filhos e outros familiares que, nesse caso, gozam de somenos importância. É pena.
    Contudo, tendo acontecido fazer-se isso, uma primeira vez, haverá ainda a hipótese de, também uma primeira vez, não se activar o dito aparelho para se poder partilhar as capacidades dos ouvidos, boca, olhos, palavras. Descobrindo assim a importância do essencial, ficará franqueado o caminho do espaço comum, onde deverá criar-se co-responsabilidade e reciprocidade de relacionamento entre todos quantos comem, sentados à mesma mesa.
    Admitamos, portanto, que há sempre uma primeira vez para a coragem de um primeiro gesto positivo e vantajoso.

                                                                                          Manuel Armando

PEREGRINAR, SUBINDO…

         Olho o cimo da montanha,
         Temo a íngreme e difícil escalada;
         Reconheço, porém, que a felicidade se ganha
         Só na força da fé bem firmada
         Em vida coerente e alicerçada,
         Com o desapego e verdadeiro assentimento,
         Na escuta humilde e pronta à chamada
         Que Deus nos lança, a qualquer momento.

         Cada primeiro passo é sempre penoso
         Quando desconhecemos em nós uma vocação
         Ao desprendimento do egoísmo fogoso
         Que abafa todo o amor do nosso coração.

         Vamos subir até ao cume do agreste monte,
         Onde Deus semeou, em plenitude, a esperança
         Pois aí plantou Ele uma vinha e construiu a fonte
         Da alegria, bem-estar e segurança.
         No seu seio encontramos, depois da tempestade,
         A grandeza e o esplendor, na verdade
         Da bonança.

         Bom é contemplar o Senhor
         Na simplicidade e alvura do Seu olhar
         Transfigurando a riqueza do amor
         Que, radiante, nos acolhe e quer salvar.

         Após uma caminhada na dura subida,
         Diante desse Senhor que irradia Sua luz
         Encontramos o sentido pleno desta vida
         Por que se trabalha e trava a luta renhida
         Abraçando com entusiasmo nossa cruz.

         Descemos, portanto, para a faina de todos os dias
         Ao sabor de ventos e tempestades traiçoeiras,
         Nesta terra desumana de fantasias
         Que exige nosso testemunho nas canseiras
         Da busca de felicidade e pão
         Semeado e colhido em pedregoso chão.

         Somos peregrinos dum mundo infiel e agreste,
         Padecemos cumprindo nossa missão
         Á conquista da serenidade celeste
         Com Cristo, em perfeita e eterna comunhão.

         Não me deixes, Senhor, confundir por distracção
         Os bens efémeros postos a meu lado;
         Perdoa o comodismo do meu pecado
         E dá-me a graça do teu perdão;
         Pois, em Ti, quero abraçar a paz da Salvação.


                                                                       Manuel Armando

             (Reflexão para o 2º Domingo da Quaresma, Ano A)