Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

terça-feira, 15 de março de 2011

HÁ SEMPRE UM PRIMEIRO GESTO

     Diz-se que, para tudo e todas as coisas, há sempre uma primeira vez.
    Reconheçamos que, quando produzimos um gesto, ele é habitualmente o começo duma série de tantos outros a repetirem-se em constante crescendo, realizados com um automatismo alienante e persistente, sempre da mesma forma, talvez com consequências até muito alarmantes ou, no mínimo, preocupantes.
    Basta fazê-lo numa única ocasião inicial, para embotar-se o sentido observador e crítico em relação às actuações diárias dos indivíduos no trabalho, convívio ou recreio e, até, no seio da própria família.
    Atendendo aos nossos comportamentos de todos os dias, privados ou sociais, deparamo-nos diante de milhentas repetições, sem disso tomarmos consciência. A uns chamamos tiques nervosos; outros serão defeitos ou também virtudes, quem sabe, e até frutos do nosso instinto, provindos naturalmente do fundo animal que nos limita e condiciona. Frequentemente tentamos emendar, mas nem sempre conseguimos a respectiva correcção e, dessa forma, tudo continuará na mesma.
    Bom, considerando que isso não constitui vício prejudicial para nós mesmos ou relativamente a terceiros, o mal não será de grande monta.
    Ainda assim, no momento em que se verificam quaisquer danos para os restantes membros da sociedade na qual nos encontramos inseridos, teremos de fazer a avaliação adequada para detectar algum erro e, em consequência, corrigi-lo.
    Cada indivíduo saberá reconhecer os desvios, por si ou chamado à razão por outrem, e se capacitará de prover a eventuais recuos no que concerne a hábitos negativos, mesmo insignificantes.
    Escrito, isto pode não passar de um amontoado de palavras, talvez destituídas de sentido para alguém. Todavia, a mim, incluindo-me na lista dos “prevaricadores”, encaixa-me como uma luva.
    Há quem esteja sempre atento a pormenores e me recorde o facto de, por exemplo, repetir vocábulos sem precisão nem necessidade, pestanejar intensamente ou me irritar fora de tempo e a despropósito; e outras atitudes que, a enumerá-las, me fariam descobrir culpado no lado pessoal que se oculta aos meus próprios olhos e consciência.
   Todavia, quero compartilhar a observação do nosso automatismo num gesto que se tornou, com certeza e para muita gente, usual. Reconheço não gastar eu muitos minutos a ver os programas de televisão, (não é mérito nenhum da minha parte), mas não me coíbo de, ao entrar na sala onde tomo as refeições e, antes de me sentar, dar, de imediato, ao botão daquela caixinha de som e imagem. Fiz isso, uma primeira vez. Repeti, não sei quantas mais. Entrou-me no uso. Agora, ocupo os meus ouvidos com as palavras de alguém que está muito longe; fico a contemplar aquilo e quem nem nada merece, até; cerro a minha boca e não converso ou ignoro as preocupações e problemas daqueles que me rodeiam; e, depois ainda, fecho os olhos à beleza da comida ou à simpatia generosa das pessoas com quem coabito.
    Contactando as crianças e os outros mais crescidinhos descubro, com frequência, que não só eu mas numerosos pais e mães se habituaram a usar o botão do tal aparelho, para desviarem a sua atenção das inquietações apresentadas pelos filhos e outros familiares que, nesse caso, gozam de somenos importância. É pena.
    Contudo, tendo acontecido fazer-se isso, uma primeira vez, haverá ainda a hipótese de, também uma primeira vez, não se activar o dito aparelho para se poder partilhar as capacidades dos ouvidos, boca, olhos, palavras. Descobrindo assim a importância do essencial, ficará franqueado o caminho do espaço comum, onde deverá criar-se co-responsabilidade e reciprocidade de relacionamento entre todos quantos comem, sentados à mesma mesa.
    Admitamos, portanto, que há sempre uma primeira vez para a coragem de um primeiro gesto positivo e vantajoso.

                                                                                          Manuel Armando

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