Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

FOME DO PÃO OU FOME DE DEUS?


Todos sabemos que a fome é um fenómeno das várias latitudes, no tempo e no espaço, enleando nas suas garras milhões de seres humanos e castigando, sobremaneira, os mais inocentes, as crianças, que nada fizeram de errado para serem atingidas por tal flagelo.

Desencoraja-nos a realidade de sabermos que não existe ninguém privado do pleno direito de possuir o mínimo essencial, onde faça assentar um desenvolvimento digno e uma estabilidade económica para viver como pessoa, mas que, pelo contrário, muitos não usufruem, mesmo nada, de pão, instrução, habitação ou saúde.

Falamos de estômago cheio, porquanto, com felicidade, ainda não somos abrangidos por aquelas crises mais acutilantes que testemunhamos nas comunidades dos terceiros mundos. Será, portanto, bastante inverosímil acreditar que as gentes mais novas e as futuras venham a intelectualizar a dimensão dos efeitos catastróficos da penúria que amarfanha ou dizima populações inteiras.

Há umas décadas atrás, viveu-se um período assaz difícil mas, por que não dizê-lo, com equilíbrio familiar, pois experimentado sem grandes floreados nem manifestações espampanantes. Não se exibiam opulências vãs e as queixas eram sufocadas pelo trabalho de cada dia e igualdade de todos os membros da família.

É verdade que tais épocas nem foram o protótipo de um viver e, por isso, não deixaram saudades. Mas, hoje, será benéfico, em diversos e numerosos casos, experimentar o cadinho da modéstia e da carência.

Actualmente, presenciamos a fome à nossa volta e procuramos analisar o porquê da sua presença. A falta de trabalho, as leis permissivas, laxistas e inconsequentes, o convite à inactividade local, a deserção das aldeias e seus campos, a filosofia da dependência parasitária do trabalho e rendimento dos outros, o aumento, em número, dos quadros superiores sem rumo de actividade, poderão ser razões aduzidas para o crescimento da fome no mundo. Todavia, não nos podemos quedar nestas desculpas que, no fundo, são um tanto ou quanto esfarrapadas. Teremos de penetrar no íntimo do homem para descortinarmos a causa terrível da fome.

O homem deprava-se em larga medida. Cria determinadas riquezas mas canaliza-as para a guerra, nas suas mais variadas vertentes e manifestações ou para gozos e jogos pessoais e de grupos. Os povos que já possuíam riquezas naturais são, agora, despojados delas pela ambição desmesurada dos donos das grandes economias mundiais. Onde se encontravam condições justas e decentes de vida, passou a experimentar-se a escravização, a incapacidade de cultura, a fome e a morte. É a incoerência do trato humano daqueles que gritam contra a fome, cobardemente porque a provocam com o seu egoísmo centralizador de bens.

Que não se busquem também outras razões no aumento demográfico porque tal não passará de tremenda trapaça e ignominiosa mentira. As leis aprovadas, por toda a parte, em relação à vida e seus afins, estimulam a miséria moral e o aviltamento das famílias e minimizam o fruto do seu trabalho pois quando não se lhe atribui a devida importância ele deixa de ser realizado e a fome invade os sectores vitais do agir humano.

Já, muitas vezes privei com a fome física. Contudo, reparo que esta é sempre o produto da inconsciência e embotamento sobre a fome da verdade. Se esta, a verdade, fosse encontrada e respeitada aquela, a fome, seria vencida para todo o sempre. É uma utopia? Certamente. Todavia, torna-se severamente urgente, cada um tentar descortinar a dignidade a que todas as pessoas têm direito.

Não é descabido lembrar o princípio de todos os homens serem criados na igualdade de direitos e deveres. O facto de Jesus Cristo ter avisado de que sempre existiriam os pobres, não significa que preconizasse a miséria humana. Desejava, isso sim, é que todos continuássemos a trabalhar em ordem a melhorarem-se as condições de vida.

A fome acontece onde o amor não escorre nas fontes das comunidades. Lembramos a viúva pobre que tornou a sua oferta rica na partilha com outros que passavam as inclemências da fome (Lc.21/1…).

O mesmo Cristo apelida de felizes todos aqueles que, tendo a consciência de serem pobres, trabalham a fim de os demais poderem também alcançar o sustento côngruo pela humildade e persistência. E afirma isso mesmo sem quaisquer reservas nem sentidos alienantes: “Felizes os que agora tendes fome porque sereis saciados” (Lc. 6/21 ou Mt. 5/6).

A verdade insofismável é que existe a fome material para milhões de pessoas no mundo; no meio em que vivemos, ela está presente. Mas nada mudará se ninguém se preocupar em descobrir e fomentar a igualdade de direitos para todos os filhos de Deus.

A fome física não será vencida, nunca, se a fome de Deus e da Sua Verdade não for saciada.

Razão para a oração de mesa que assim reza: “Senhor, dai pão aos que têm fome e fome de justiça aos que têm pão”.

P. Manuel Armando