Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

sábado, 24 de março de 2012

(IN) (DESIN) (DE) FORMAÇÃO?...


    Recordo a altura em que ler-se um Jornal, ao Domingo, era de bom-tom, mesmo sendo ele diário. Aí, havia mais espaço para a leitura e o ardina vendia maior quantidade de exemplares, no final da Missa na aldeia.
    Porém, as circunstâncias e momentos evoluíram, alteraram-se as exigências de cultura e informação que acompanham sempre as vicissitudes da sociedade.
    Todavia, desconfio se hoje, comparativamente, são mais comprados e lidos os Diários ou se estes vão perdendo terreno em favor das Revistas e outras publicações cor-de-rosa que se apresentam em gritante inutilidade no concernente à formação humana, ou ao respeito e conservação dos valores, tanto inalienáveis quanto intocáveis.
    Neste âmbito ocupam lugar de destaque e atenção os periódicos regionais que aglutinam interesses e empenhamentos enormes, subentendendo, muitas vezes, a carolice benfazeja e unindo famílias, se não mesmo regiões, entre si.
    O dever construir uma sociedade sã, respeitadora e co-responsável deverá caber, como tarefa, a quantos a isso se expõem, por imposição profissional ou no exercício de liberdades pessoais.
    De frente a quem manifesta opiniões, noticia acontecimentos ou promove eventos e outras coisas variadas, estão as pessoas com diversos modos de pensar ou sentir e desenvolver a vida.
    É natural que haja empresas às quais presida somente o fito do lucro pela quantidade de papel vendido. Quando assim sucede, lastimamos semelhante procedimento e, nada podendo empreender em contrário, recusaremos a compra e respectiva leitura.
    Se a finalidade da informação e, sobretudo, de formação não é o objectivo principal de determinadas publicações, cumpre-nos denunciar. Ninguém nos ouvirá, mas em contrapartida, realizámos um compromisso moral natural.
     Há alguns dias atrás, folheei um Diário de âmbito nacional. Comentei, para mim, e pasmei com tais bases, propostas para cultura geral. O seu recheio incluía: um pequeno artigo de opinião; três ou quatro notícias pouco desenvolvidas; promoção da moda, pelo espaço de cinco páginas; anúncio de venda de casas ou carros e outros, duas páginas; desporto, três páginas; informação de óbitos ocorridos numa certa zona; quarenta e sete notícias de pequenos ou grandes crimes; e, ainda, três páginas completadas por duas centenas de “traseiros” e outros “apêndices” femininos, anonimamente fotografados, claro, em quadrículas, juntando também os números de telefone, bem expressos, a incentivar à pornografia e promovendo a profissão, dita a mais velha do mundo.
    Na verdade, um escaparate deste jaez, repleto de banalidades conducentes à derrocada das comunidades que se desejariam com sanidade, não leva, de forma nenhuma à felicidade cultural bem informada mas, muito pelo contrário, encaminha para um poço fundo onde se topará apenas a escuridão, alienante e vazia.

quarta-feira, 21 de março de 2012

A VACA DA ALDEIA


   Aldeia global. Pelo menos, comportava-se assim, independentemente de quaisquer cartas forais, ou acordos exarados em actas e papéis com oficialização em alguma Repartição Pública estatal.
    De nada disso precisava pois o espírito de boa vizinhança bastava para que tudo decorresse na maior normalidade.
    Nesse espírito solidário, nas horas de dificuldades prementes, logo alguém batia à porta do necessitado perguntando o que se tornava preciso fazer para minimizar possíveis faltas e prejuízos.
    Em postos de trabalho existentes nas redondezas, cada chefe de família granjeava o sustento da sua casa sem invejar ninguém nem ser olhado de soslaio pelos patrícios dos arredores. Acamaradavam nos diversos acontecimentos felizes, como também vestiam lágrimas de autêntica comoção pelos danos materiais ou morais dos seus semelhantes.
    A paz e a concordância eram as armas que venciam as amarguras imediatas de cada um. Os trabalhos agrícolas da subsistência familiar faziam-se com a força dos braços de todos. A semeadura da batata, do milho, trigo, feijão e, mais tarde, as respectivas colheitas ou as ceifas, constituíam momentos de verdadeira alegria, convivência e festa. Até as zangas esporádicas eram resolvidas pelo conselho dos mais velhos e experimentados.
    O êxito de um contentava a todos, enquanto o luto de alguma família vestia de preto os restantes aldeãos.
    Mas, afinal, com tudo isto, quase me ia esquecendo que havia uma vaca de pertença comum.
    Em cada manhã, e revezando-se, as mulheres se apressavam a mungir o animal, levando para sua casa a porção de leite suficiente ao sustento dos familiares, mormente os mais pequenos. Até já a vaquinha demonstrava sentir enorme orgulho e ostentava rasgado sorriso por poder colaborar no bem-estar dos moradores.
    Mas, o senão aconteceu, num dia. Porque o animal era assim tão rendável, sem quaisquer reservas, foi nacionalizado. Nem mais.
    Contudo, as mãos que começaram a tratá-lo eram, agora, mais ásperas e nada meigas.
    Bem depressa a sua fisionomia de bicho generoso, passou a uma carranca de poucos amigos.
Ainda durou alguns meses, ou até, pelo menos meia dúzia de anos. Espremidos com tal grosseria e intensidade, os seus tetos começaram a largar sangue e não o leite de brancura, indispensável à concórdia entre quem dele tanto precisava.
    Tiveram, os seus segundos donos, de voltar à reprivatização. Todavia, nestas circunstâncias, nenhum dos antigos trabalhadores quis pôr-lhe a mão. A secura começou a notar-se a olho nu. Ainda alguém, desconhecedor da matéria, tentou, mas em vão, recuperar o que se tornara inviável.
    A vaca perdeu, progressiva e inexoravelmente, a força e a idade. Num dia, tristemente cinzento, morreu.
    Então, fechou-se para sempre o curral.
    Não recordo se a sepultaram condignamente, mas que a mama acabou, acabou. Agora, só o sangue.