Quem sou

Quem sou
Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

sexta-feira, 6 de julho de 2012


      RECORDAR O QUÊ, NO FUTURO?

    Se eu afirmasse que não sou saudosista escamotearia a verdade. De facto, gosto de recordar tempos idos com todas as suas vicissitudes. Causa-me enorme prazer evocar a meninice nas características e próprias traquinices, ainda mesmo quando acarretavam consigo correspondentes e adequadas coacções ou castigos.
    Desde o tempo da Escola Primária até ao curso, dito mais superior, quão salutar é trazer à memória comum aquelas circunstâncias fáceis ou duras por que passávamos. E, então, se experimentadas em grupo, redobram-se os motivos do gáudio.
    Pessoalmente avalio, com inestimável apreço, os dois encontros anuais que, eu e os colegas condiscípulos, exigimos deixar sempre de pé. Também não posso omitir a alegria de encontrar, noutra data, antigos companheiros dos primeiros anos agora, uns bem, outros menos, colocados e organizados em vida familiar ou profissional. Às vezes, parece quase nem nos reconhecermos, dadas as mudanças anatómicas e branqueadoras que o decorrer do tempo tão rudemente grava na pessoa de cada um.
    Recordar será, na sua plena acepção de pensamento, ressuscitar verdadeira e intensamente os momentos passados, medindo até noutras perspectivas as consequências de determinados actos e atitudes que, ao tempo, não imagináramos.
    Já tomei parte activa, nalgumas várias vezes e anos, nos reencontros de antigos estudantes das diversas áreas e latitudes. Estão a rarear um pouco mais, é certo.
    Tenho presidido às acções de graças de alguns batalhões constituídos por rapazes, hoje homens calejados na idade que, outrora, operaram nos mesmos palcos de guerra, Quantas saudades e abundantes lágrimas afloram aos rostos de todos. Eles que enfrentaram com tenacidade e força os combates e a morte, apresentam-se agora como aquelas crianças chorosas a quem esconderam o brinquedo apetecido.
    Dou conta que famílias se juntam sob a evocação do apelido comum para saborearem os seus primórdios domésticos quando, certamente, o aconchego atingia outro significado e valor alto.
    Isto tudo para expressar uma dúvida que, acutilante e persistentemente, assalta o meu íntimo. Pergunto a mim mesmo se as crianças, adolescentes e jovens dos nossos dias terão, mais tarde, alguma razão séria para, depois de terminados os seus cursos, se isso acontecer, poderem promover reuniões evocativas, celebrando algo que hajam feito ou descoberto.
    Nesta época que atravessamos, em casa, no café, na Universidade, no comboio ou no avião, os gaiatos e os crescidos curvam-se mais sobre a maquinaria electrónica do que se inclinam para a pessoa do lado.
    Os computadores de vários tipos e gamas como todos os outros variados meios do tacto virtual, vão moldando os espíritos e mentalidades daqueles que crescem para a vida numa despersonalização tremenda, privados naturalmente da sã convivência que seria criadora de grandes e sinceras amizades a perdurarem até muito tarde, num crescendo contínuo.
    Não estou a imaginar, sequer, haver uma apresentação anual de alguém com os seus entretenimentos já, há muitos anos, esquecidos.
    E, porque os indivíduos deixaram de pensar, por si mesmos, uma vez que as máquinas os substituem, transmudando inteligências e vontades, assim morrem a camaradagem, amizade e a vida partilhada. E é pena até porque se começa a não recordar nem viver e, muito menos, a ressuscitar para o que há de mais sadio.

terça-feira, 3 de julho de 2012


           CARPINTEIRO, MAS PROFETA
         Se não fosses Tu quem és
                   Mas o que somos, cada um de nós,
                   Terias deixado tudo a perder 
                   Porque Te olharam de revés,
                   Negaram a verdade da Tua voz 
                   E não Te quiseram entender 
                   Como arauto da paz e amor, 
                   Filho de Deus, Pai e Senhor.

                   Criados humanos, não aceitamos 
                   Nem toleramos 
                   Dúvidas, sarcasmos e ironia 
                   Sobre quanto sabemos 
                   E fazemos
                   No dia-a-dia.

                   Mas, Tu fechaste os ouvidos
                   A tanto dito e desdém; 
                   Tinhas na Tua frente,
                   Em atenção permanente, 
                   Os corações frouxos e sofridos,
                   Como a indiferença dos homens, também.

                   Quem tudo tem, não sente a fome 
                   Do alimento que, gratuitamente, lhe é dado; 
                   Recusa a Verdade e não come
                   O Pão da Palavra pois, no orgulho obcecado, 
                   Quer ignorar a divina riqueza
                   Duma libertação oferecida, 
                   Por misericórdia e amor caída, 
                   Na sua mesa.

                   Mas o Cristo da bondade infinita 
                   Não Se irrita. 
                   Passa com serenidade e, mais à frente, 
                   Vai revelar-Se a outra gente,
                   Cumprindo Sua consciente missão 
                   De a todos libertar 
                   Para salvar 
                   Do pecado e escravidão.

                   Veio para os seus e estes fecharam portas, 
                   Preferiram as trevas à luz; 
                   Seus olhares, faiscando em horas mortas, 
                   Tornavam mais árduos os caminhos 
                   Cravando, pela inveja, duros espinhos      
                   Na tarefa de Jesus.

                   Os grandes senhores do povoado 
                   Quiseram silenciar Sua voz 
                   Mas o povo, carente e abandonado 
                   À sorte madrasta e atroz,
                   Correu pela secura do descampado 
                   Em busca de curas e prodígios, 
                   Como verdadeiros vestígios 
                   Contra a negrura do pecado 
                   Duma sociedade 
                   Que, mergulhada na inutilidade, 
                   Onde o Senhor, semeando a Vida, 
                   Propunha espinhosa subida, 
                   Ela espalhava a incredulidade.

                   Jesus, tido como o “filho do carpinteiro”,
                   Veio desvendar ao mundo inteiro 
                   Ser Ele próprio o Profeta e a Verdade 
                   Pois, iluminando consciências duvidosas, 
                   Conduz, por sendas ásperas e sinuosas, 
                   Rumo à eternidade, 
                   Onde o Homem frágil e pecador 
                   Atingirá seu pleno valor 
                   Na expressão eterna do Amor.

                    (14º Domingo do Tempo Comum, Ano B. Mc.6,1-6)