Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

“CREPES” PARA O MEU POLVO




ERA UMA VEZ…



Ou… “CREPES” PARA O MEU POLVO




Quem haverá pelos nossos sítios que nunca tenha tentado, mesmo nas dificuldades mínimas, adivinhar algo do futuro sobre coisas e pessoas?


A avaliar pelas variadas promoções da previsão quanto a futuros risonhos e felizes que nos aparecem diante dos olhos porque fazem parte das colunas de jornais e revistas, proclamados por bruxos e adivinhos “diplomados”, a coisa promete, num crescendo que não irá parar nunca. O aumento das dificuldades que não estancam quase nos leva entender e tolerar que muitas pessoas procurem encontrar soluções nas rezas e mezinhas.


Recorre-se a tudo; não interessa quem se vai encontrar pela frente desde que se apresente em lugares duvidosos, à meia-luz, ou vestindo roupas exóticas. Não se olha a preços de consulta, mesmo com a vida em franca carestia. Importa é ouvir uma voz de sereia sedutora e umas tantas promessas propaladas com uma espécie de convicção no sentido de melhorias para o dia de amanhã.


A história repete-se ininterruptamente. Até percorrendo as páginas da Escritura, deparamos com as variadas práticas de invocações e sortilégios condenados com veemência e intransigência (Vd. Ex. 22/18… Lev. 20/5-6).


Não admira que, ainda nestes nossos tempos actuais, continuem indivíduos e comunidades a deixarem-se envolver por tudo quanto seja obscuro ou se apresente como misterioso.


As metamorfoses sociais, endurecidas cada vez mais, são portadoras de inquietações graves e de instabilidades familiares conducentes a uma incultura de falsas esperanças e soluções tão infundadas como inoperantes.


Já nada nos surpreenderá, portanto, por suceder isto também nas camadas ditas desenvolvidas intelectualmente. O conhecimento buscado nos livros da ciência e da técnica não dão resposta às inquietações psicológicas ou espirituais. E parece ser mais fácil aceitar e cumprir escrupulosamente aquilo que os outros ditam, do que tentar entrar no íntimo pessoal e buscar respostas adequadas e cabais, elaboradas numa reflexão séria e humilde.


Quando se procura, com denodo, a verdade, mais tarde ou mais cedo, ela afluirá no caminho da consciência e da liberdade.


Bem se reconhece que este caminho reflexivo é, deveras, inquietante e, por vezes, desmoralizador, pois que os desejados resultados palpáveis não surgem. E daí, acontece o passo rápido para o abismo do obscuro ou nebuloso.


É impressionante constatar quantas manigâncias do ocultismo se utilizam na oferta e consequente procura de um sossego incerto e duvidoso.


Ao logo da História humana as formas de adivinhação apresentam sempre a mesma finalidade, ainda que enroupadas em normas e práticas diversas. A magia, a astrologia, a futurologia, os oráculos, os tarôs e a infinidade incontável de estratagemas que, em todos os tempos e lugares, fizeram parte das civilizações, continuam hoje a movimentar ideias, presunções e suposições.


Por curiosidade, indaguei sobre quantas “mâncias” que buscam o significado e actuação da existência, através da profecia ou pressentimento, da intuição e palpite, da previsão ou superstição. Não mencionando as infindáveis listas das práticas ocultas, nas suas variadas formas, e cingindo-me apenas à enumeração pelo alfabeto, encontrei nada menos de cento e treze métodos ou canais de esoterismo, começando em “abacomância” e continuando em “dafnomância”, “esticomância”, “necromância”, “oniromância” e outros, até acabar em “xilomância” e “zoomância”, sem omitir a “ictomância”.


Estas duas últimas práticas recordam-me a história recente do polvo “adivinhão” que “previa” resultados desportivos e que, por isso, adquiriu o ensejo de ser desejada a sua aquisição, mais que a dos próprios craques da bola.


Por causa de tudo o que na ocasião ouvi, nasceu-me também uma tentaçãozinha. E vai daí, fui à lota e merquei um molusco igual. Posto no aquário, iria, depois, substituir-me no atendimento a quantos me procuram pensando que sou curandeiro ou adivinho.


Tudo isto quase em segredo profissional.


Todavia, as minhas esperanças goraram-se. É que, entendendo que tal exemplar seria para confeccionar um apetitoso pitéu, quem me prepara a mesa em cada dia, desconhecendo a minha intenção, imobilizou os respectivos tentáculos inteligentes e envolveu tudo num apetitoso arroz. E bem me soube porque imaginei ser outro que não o meu futuro suposto auxiliar.


Então, e desde agora, que ninguém mais me procure na mira de qualquer previsão ou sanação. Sem o meu polvo desço ao patamar dos dotes muito precários, mas, ainda assim, também acredito que as pessoas não vão deixar-se levar pelo charlatanismo de quem coloca papeis de promoção das artes divinatórias nos vidros dos carros ou em anúncios dos jornais.


Modos de ganhar a vida, ludibriando os incautos que não põem a cabeça a funcionar e a cumprir o seu dever.






P.S. – Quando escrevinhava estas linhas foi anunciada a morte do tal polvo que adivinhava, com a pronunciação das respectivas honras fúnebres e a perpetuação da sua memória em nome de rua.


É certo que aquele meu polvo teve sorte diferente mas a sua morte foi digna e mais útil.


Por tal razão, para ele vão os “crepes”, (não os chineses de massa açucarada, por sinal bastante agradáveis), mas os do meu luto.


E que ambos “requiescant in pace”, ou seja, “descansem em paz” e não desequilibrem a capacidade inteligente de quaisquer outros mortais.



Manuel Armando