Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

QUEM PAGA A DÍVIDA?

ERA UMA VEZ…

OU… QUEM PAGA A DÍVIDA?
                                 




Afirma-se, sem rebuço, que cada português deve, em média, uma batelada de euros ao Fundo das economias internacionais.


Dou mil e uma voltas ao miolo, faço uma retrospectiva aos meus tempos anteriores e confesso, com toda a sinceridade, não topar qualquer apontamento de dívida, por mim contraída e ainda em aberto. Julgo não encontrar no mais fundo da minha consciência ou no baú do subconsciente nenhuma memória de facturas por saldar. E agora, quando reparo que as minhas economias não são elásticas até procuro evitar os gastos supérfluos.


Também atesto, por todas as alminhas, que não comprei submarinos, nem aviões ou helicópteros, não negociei estradas ou caminhos-de-ferro para chegar mais rapidamente ali ou acolá. Nem sequer estabeleci quaisquer relações comerciais com o exterior. O meu produto não comporta pactos que me endividem.


Por aquilo de que me acusam, e devendo pagar a tal minha parte da dívida contraída por outrem, descubro que terei de passar o resto da vida sem qualquer capacidade de saldar o que me impuseram sobre os ombros, pois o que aufiro não dá para fazer reservas e os recursos nucleares não aparecem.


Fico, pois, pesaroso e perplexo diante de toda a conjuntura actual e, ainda, nem descortino as veredas por onde poderei fugir às portagens da vida.


Dizia minha mãezinha que “dívidas e pecados, cada um pagará os seus”. Sei que o pecado tem dimensão social e colectiva, mas creio que também o dever de pagar abrangerá todos. Não se peça, portanto, o aperto do cinto a quem nem tem barriga para aguentar tal espartilho.


Os reformados já pedem fiados os medicamentos e comem as côdeas encarquilhadas e rijas que demoram muito tempo a digerir. Os desempregados acabarão por ter de destapar os contentores em busca de rebuscas para enganar a fome. As crianças poderão ir para a escola com a barriga “a dar horas”, enquanto outras esbanjarão.


As subvenções deverão ser olhadas mais nos trâmites da justiça.


Neste momento, muitos barafustam; outros exigem e uns terceiros pregam a paciência.


Nestas circunstâncias, atrevo-me a pôr mais uma acha na fogueira, de si, já muito rubra. Sugiro, então, a todos os que se alcandoram nos lugares cimeiros que sejam os primeiros a apresentarem o seu exemplo de esforço. Os senhores presidentes ou ex-presidentes disto e mais daquilo (nem que seja da República), todos os senhores ministros e deputados, os dirigentes maiores dos partidos políticos (sem distinção nenhuma para ninguém) prescindam de dois ou três ordenados e reformas ou outras alcavalas e benefícios (e ainda lhes restarão mais algumas minas donde lhes escorre sempre o maná…), em favor de toda a comunidade e tudo mudará de aspecto porque se põe a descoberto e será respeitado o exercício da elementar justiça. A face desta sociedade irá transfigurar-se, de certeza.


Caso contrário, voltaremos a cantar, sentida e dolentemente, a balada do Zeca Afonso: “Eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada”.


Sem mais.





P. Manuel Armando