Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

sábado, 5 de junho de 2010

ERA UMA VEZ…OU… PAR OU ÍMPAR?







Quero recordar uma peça de teatro popular que, em tempos idos, ajudei a pôr em cena com gente jovem sempre ansiosa por ocupar as suas folgas num convívio reparador e vivificador de amizades, enquanto se tornava útil aos demais, divertindo-os.


Desconhecia-se o autor de “Guerra aos Ímpares”, mas que era engraçada, isso sim. Descrevia a história de uma matrona maníaca, com uma série de criadas ao seu serviço que andavam sempre na linha e num constante rodopio porque ela se irritava com tudo e mais alguma coisa, sobretudo quando lhe falavam de ímpares. Daí que exigia fazer e utilizar todas as coisas sempre em duplo, desde os dois passos de cada vez, as duas cadeiras em que se sentava, levantar dois dedos para qualquer palavra ou gesto, ter os objectos domésticos, os quadros de parede, bonecos e outros “bibelôs” sempre em dobro; números pares de empregadas a quem pagava o ordenado em quantia par. Quando lia dois jornais usava dois pares de óculos…


Cada um pode agora imaginar a quantidade enorme se extravagâncias e excentricidades que esta protagonista, sempre em palco, manifestava na sua maneira de ser, tão fora do comum.


Todavia, pensando bem, reparo que o facto não será assim tão esquisito e inusitado como aparenta. De vez em quando, dou por mim a enumerar quantas coisas fazemos ou possuímos aos pares e tantas outras que desejaríamos assim acontecessem.


Examinando o exemplo da nossa compleição física, deparamos com dois olhos que se abrem para as maravilhas da luz e da natureza e se procuram fechar diante daquilo que é comprometedor e difícil ou infeliz; dois ouvidos onde entram as melodias agradáveis do mundo natural, boas palavras que enchem o coração ou por onde passam as notícias incomodativas e intranquilizantes; duas narinas que saborearão os aromas vivos das flores ou irão descobrir como este mundo caminha para a podridão e destruição; duas faces que riem ou coram, consoante os momentos. Ter duas caras é que já não será muito curial, e sucede isso em variadas ocasiões, conforme a partitura dos executantes porque se abrem dois caminhos a duas atitudes, por vezes, antagónicas entre si.


Duas mãos para gesticular, acolher e despedir, dar e receber; dois braços para trabalhar e amparar; dois pés que sustentam o corpo e o conduzem em todas as direcções úteis ou menos razoáveis.


Dentro do nosso corpo encontramos dois rins que, trabalhando bem, equilibram a saúde. Embora só um coração, mas com duas aurículas e dois ventrículos que “amam e desamam”; dois pulmões que não gostam do fumo mas, quando limpos, se enchem de ar puro para ventilar uma vida sadia.


No desenrolar da vida de sociedade, as coisas, muitas vezes assim acontecem também em duplicado.


Ora vejamos: há quem possua duas bicicletas (com duas rodas cada), ou dois carros, uma junta de bois (dois), ou duas casas. Mas ainda há quem pense duas vezes, antes de adquirir quaisquer destes bens, porque há duas maneiras ou caminhos na direcção das respectivas opções.


Em serviços de economia, por vezes, são apresentadas duas facturas a pagar por um único serviço para não se ficar só pelo original e duplicado ou químico. Mas há mesmo quem apregoe o “leve dois e pague um”, o que nem sempre corresponderá à verdade verdadeira.


Nos campos da política, da economia global e até na justiça, parece frequente haver dois critérios, dois pesos e duas medidas (uma boa e outra má), duas opções possíveis. No diálogo mais aceso, ainda se rangem os dentes com o “ora repete lá isso outra vez”…


Nalguns sectores das governações e do pensamento apresentam-se duas facções do sim e do não, na escolha ou amostragem da personalidade de aceitação.


Em duas partes distintas do jogo há que ter ”dois dedos de testa” para pensar e decidir sobre quaisquer tácticas a adoptar.


A estrutura da sociedade humana assenta no binómio da família constituída pela dupla homem e mulher, pai e mãe.


Sei que não descubro nada de novo, mas que é relevante, é.


Olhando para a Sagrada Escritura, relembro que Jesus enviou os seus discípulos, dois a dois, por todos os cantos e esquinas, anunciar coisas importantes, referentes à estruturação firme e segura de uma sociedade que terá de olhar não só a vida meramente material mas que se vire para o alto e descortine a eternidade.


Por estes pressupostos todos, e mais alguns muitos que não são lembrados, imagino quão importante e urgente se torna ler, reler, e pensar duas vezes, o livro da existência, pois o epílogo é um só e uma única será a eternidade.




Manuel Armando