Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

QUEM PODE LEVANTAR A CABEÇA?

    Evoco na memória visual a figura daquela “velhotinha” que impressionou a minha infância e continuou viva no decorrer do meu crescimento.
    Sempre cumpria o seu ritual diário nas lides do campo donde trazia o sustento para a família, de economias parcas a exigirem um ritmo de vida árdua sem direito a férias nem subsídios.
    O que, na altura, chamaria a atenção de nós, os mais pequenos, era o seu corpo arqueado quase levando-lhe os cabelos até ao chão. Agarrada a um pauzito, lá se movia com enorme dificuldade não podendo elevar-se para, de cabeça erguida, encarar o seu dia-a-dia e a sociedade com olhos de gente em perspectivas de futuro. Pela inusitada posição dorsal ficava mesmo à mercê dos molhos de lenha ou dos produtos da terra que ela amanhava nessa situação tão difícil, carregando-os às costas, espinhosamente, até ao seu casebre.
    Ainda que doendo, é salutar hoje recordar modos de viver da grande maioria das populações nas aldeias de antanho e “condoer-se” com a falsa humildade daqueles quantos calam o peso de chorudos e escandalosos ganhos, acerca dos quais ainda se lamuriam com a maior desfaçatez.
    Bem percebemos que a luta custa a todos, todavia mais a uns e não a outros.
    Ouço sempre “com muita emoção” os desabafos miserandos dos muitos jogadores de futebol quando não vencem uma partida porque, naturalmente, os adversários foram melhores. Se lhes perguntam algo sobre tal fracasso, logo lastimam a sorte madraça que lhes foi adversa e acrescentam, com fingida, infantil e escusada convicção, o “vamos levantar a cabeça e olhar em frente e as coisas irão mudar”.
    Contudo, o certo é repetirem-se os mesmos insucessos.
    Até aqui, nada de espantar. Admira, sim, o facto de constituírem um clã de pessoas que, como ninguém, pode levantar bem a cabeça porque o seu “cabedal” suporta, e de que maneira, os descalabros ou desencaminhamentos da sociedade. A sua vida activa é curta, dizem, admitindo, portanto, tais cifras de ordenados e prémios. Mas, agora interrogo eu, a labuta de um cavador também não é pesada e breve?
     E que dizer de todos quantos, no aparelho de Estado, saltitam de um lado para o outro sempre aumentando os seus pecúlios e, mesmo assim, suspirando por melhorias pessoais?!
    Então, quem pode “levantar a cabeça”? Aqueles que recebem bateladas nos seus ganhos mensais e mais todas as outras alcavalas, ou as muitas “velhotinhas” que varrem o chão com os seus olhos enevoados que já não podem enxergar nada para além da terra batida pois a fadiga e dureza do seu viver não deixam vislumbrar nenhuma benfeitoria futura possível porque, cada vez mais carregados e amarfanhados no encargo das carências e dos impostos?
    Então, futebolistas e políticos, cavadores e artesãos, cultos e incultos, homens da ciência ou da técnica e analfabetos procuremos, todos, levantar a cabeça, mas para a dignidade e justiça.
    E oxalá, os responsáveis pelo leme público dos sectores social, económico e moral, não olhem só os seus umbigos mas sejam para todas as “velhotinhas”, dobradas ao peso dos anos e do esquecimento, a alavanca que ergue e alivia.