Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

CARTAS, SEMPRE SÃO CARTAS


ERA UMA VEZ…
OU… CARTAS, SEMPRE SÃO CARTAS
Segredos, angústias, problemas, alegrias e lágrimas, apelos, generosidades, ofertas ou promessas, declarações e acusações, reflexões e notícias e outras numerosas vertentes da vida são os segredos, tantas vezes, transportados numa pequena mala de carteiro, muitas ocasiões, esperadas como, noutras, autênticas surpresas a fazer pular o coração de pânico, ansiedade ou exacerbado nervosismo.
De certo, haverá bastante gente que nunca escreveu uma carta e também alguém que, tão-pouco, recebeu ou leu alguma.
As cartas são veículos fantásticos para comunicação entre pessoas e grupos, transportadores silenciosos de sentimentos que brotam de mentes inquietas ou de íntimos desejos sinceros e serenos os quais enobrecem quem os escreve e aqueles que os lêem e meditam.
Isto olhando o lado bom e positivo, porque ainda havemos de considerar aquelas cartas que, pouco ou nada, interessam a quem as recebe pois se apresentam prenhes de maus augúrios e desgraças.
Todavia, pondo de parte qualquer sentido negativo, quem não estima receber estes elos de ligação, de amizade e cultura, como o podem ser as cartas?!
Oh, quanto me recordo daquelas letras que minha mãe ditava a uma das minhas irmãs, porque ela não sabia escrever, e me chegavam às mãos, ajudando a vencer as saudades da criança que eu era, bem cedo saída do seio familiar, em resposta aos meus postalitos nos quais revelava o que de mais importante ia sucedendo ou pedindo vinte e cinco tostões para pequenos nadas. Umas e outros serão menos que cinza perdida, mas gostava muito possui-las para reviver, hoje, situações que já se perdem na memória.


Quem não se compraz, lendo cartas de individualidades, quase monstros sagrados da nossa literatura que, por palavras bem buriladas e organizadas, muito de sério dizem brincando, ou congeminam atitudes de aprumo para, jocosamente, fantasiarem a vida e costumes da sociedade de então?!
Há cartas para todos os gostos ou desgostos. As cartas de amor, e é bom recordar, aqui, Mariana Alcoforado; as de recomendação, porque faz sempre jeito um empurrãozito para qualquer negócio; as precatórias, nem sempre de bom agoiro; as cartas de opiniões e acusações.
Lembrar e reler cartas dos nossos clássicos, desde Camões até António Vieira e outros mais recentes, leva-nos a penetrar na riqueza das intenções e opiniões e na vernaculidade da escrita.
Não deve esquecer-se, também, a espiritualidade, os problemas sociais vividos, os conceitos de caridade, de fé e de esperança, as descrições de familiaridade e justiça e o muito mais que nos é explanado e ensinado nas cartas dos diversos escritores sagrados do Novo Testamento, desde Paulo a João, não omitindo Tiago, Pedro e Judas, este que se designou a si mesmo como “servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago”.
Nestes nossos tempos presentes, quem ocupa os seus momentos livres a dar forma de missiva aos projectos que bailam nas suas mentes pensantes? Ou, simplesmente, quem sabe, ainda, escrever cartas?
Hoje, digamos em boa verdade, já quase não se escrevem cartas. Enviam-se mensagens por meio de telemóveis ou computadores, condenadas que são ao desaparecimento imediato e irreparável.
Fazem-se comunicações e notícias carregadas de impersonalidade e sem interveniência convicta dos indivíduos entre si.
ERA UMA VEZ… tempos em que se escreviam e divulgavam cartas, verdadeiros agentes de diálogo e co-responsabilidade humana, na amizade e na discordância, que desventravam reais modos e psicologias individuais ou de grupo.
Todavia, hoje, tudo parece deixar-se arrastar na modorra pelos avanços tecnológicos despersonalizantes.
Usemos, sim, os computadores e outras ajudas, mas convenhamos que… cartas, sempre são cartas.
P. Manuel Armando