Quão difícil o trabalho do semeador
Que lança a semente e não sabe onde ela cai;
Passa o dia sem descanso e vergado pela dor
De pensar que toda a sua canseira
Pode ter ampla esteira
Por onde a sementeira
Se esvai.
Recupera, porém, a confiança;
Olha as trocas do tempo benfazejo,
Espera as chuvas da mudança,
O sol, o vento e, num lampejo,
Nas mãos da Natureza põe a esperança
Numa abundante e farta colheita.
E, ao fim da jornada, quando se deita,
Adormece aguardando um novo dia
Que lhe traga a alegria
De seus frutos ver crescer
E possa, sem presunção nem arrogância,
Agradecer a abundância
Do produto de seu indómito querer
Por que incessantemente luta
Em horas, a fio, de pesada labuta.
Mas, quando chega o alvorecer,
Ergue-se o semeador e vai ver.
Leva a alma ansiosa,
Carregada de grandes sonhos
Que lhe aliviam a fadiga
Da vida atarefada e espinhosa,
E, até, ensaia leda cantiga
Para esquecer perigos medonhos.
Que encontra? Quase só a desilusão,
Pois as sementes lançadas pela sua mão
Foram tragadas pelas aves
E engolidas pelos espinhos;
Estiolaram em pedras duras e graves
Ou se afogaram no lodo dos caminhos.
Tamanho desperdício e grande insucesso
Levam o trabalhador, na incerteza e amargura,
Para casa e, no seu regresso,
Lamenta tão inesperada desventura.
Assim é a Palavra do Senhor
Que, semeada nas almas com amor,
Não encontra resposta nem bons resultados
Porque mexe no coração duro,
Impregnado de ofensas e pecados
De quem olha o presente e despreza o futuro.
A graça oferecida a homens inconstantes
Bem depressa os parece animar,
Mas a obra fica por acabar
E tudo continua como antes.
E que dizer dos inquietos
Envolvidos em sonhos leves e secretos,
Basculhando sucessos de riqueza?
Sufocam os seus ardores,
Morrem abrasados pelos calores
Da incerteza.
Semear não é colher,
Mas trabalhar
Sem julgar a recompensa
E, com perseverança, esperar
Que a graça venha a vencer
A humana e ingrata indiferença.
Prestemos, agora, honra ao Senhor
Porque espalha razões nos corações bons,
Onde crescem obras de amor,
Como testemunhos eloquentes dos seus dons.
Então, com opulento e delicioso fermento
Fertiliza o fiel sentimento
Daquele que descobre,
Na acção bela e nobre,
Cristo, a Palavra repartida,
E para todos manancial fonte de Vida.
Manuel Armando
(Reflexão para o 15º Domingo do Tempo Comum, Ano A)
(Mt. 13, 1-23)