Quem sou

Quem sou
Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

sábado, 21 de novembro de 2009

...SOMOS UM PAÍS DE POBRES E PEDINTES





ERA UMA VEZ… Ou… SOMOS UM PAÍS DE POBRES E PEDINTES

Estava eu a comprar artigos necessários no funcionamento da comunidade e, enquanto aguardava para ser atendido, entabulei conversa com as outras pessoas que tratavam, elas também, dos seus assuntos. Tornava-se quase evidente e normal que, aqui e neste tempo, o diálogo iria descambar para o lado da crise reinante.
Cada qual expressou a sua visão sobre os acontecimentos correntes e todos nos inteirámos daquilo que já era a experiência de cada dia e em qualquer sítio. As dificuldades da vida económica afectam, verdadeiramente, todas as famílias, ou melhor dizendo, as gentes das aldeias que não ocupam cargos políticos nem sociais de governação ou direcção de empresas, de bancos e outros quejandos.
Não constitui qualquer novidade pois isso é apregoado aos ventos de todos os cantos e esquinas. É só dar conta dos furos de muitos cintos que já são poucos para aguentar tanto aperto.
Ora, do decurso do palratório, um dos intervenientes rematou com a frase denunciadora: “Somos um país de pobres e pedintes”.
Pensei, no momento, que não seria tanto assim, na realidade.
Depois, mais tarde, dei por mim a ruminar, insistentemente, tal conceito e a concluir pela verdade da asserção. Recordei que há as estatísticas a denunciar milhares de famílias posicionadas abaixo do limiar da pobreza; que muitas e muitas crianças vão para a escola sem o pequeno almoço; variadíssimas destas não têm um carinho dos pais que, até em numerosos casos, se encontram separados; que diversas empresas fecham as suas portas, deixando homens e mulheres sem trabalho nem pão para si e para os seus; em cada dia algo se descobre sobre a droga e seus afins; os políticos mais se empenham em destruir a vida na sua origem, no desenrolar da idade adulta com a inclusão, na sociedade, das práticas hedonistas e homossexuais, vislumbrando-se já que a desejam aniquilar em idades avançadas; as nossas escolas não podem instruir em direcção aos valores morais e espirituais do respeito, da justiça, da educação, da disciplina ou do trabalho; os agentes que deveriam zelar pelo bem e pela segurança deixaram de ser autorizados para o exercício da missão que lhes caberia; a violência doméstica, tantas vezes sonegada no silêncio de quatro paredes, continua a aumentar e a aviltar quem deveria ser o fulcro de uma comunidade sadia, a família; a Igreja e a sua doutrina, ensinada por Jesus Cristo, vai sendo remetida para segundos planos porque é exigente na condução de quem deseja ser mais perfeito, vivendo as virtudes teologais ou dirigindo-se pelo caminho das Bem-aventuranças.
Podia continuar, e sem término, a desfiar o imenso rosário das formas de pobreza que grassa no seio desta nossa sociedade. Cada qual pode fazê-lo com relativa facilidade, infelizmente.
Quanto a pedintes… se há tantas carências, é natural e objectivo que se enverede pelo campo do pedido.
E tantos o fazem.
E, para explicitar, começo por trazer à memória que minha mãe me pedia: “não chores” e, depois, “faz isto” ou “não faças aquilo”; e, também assim, aprendi a pedir: “dê-me chucha, pão, um lápis, um caderno”… e por aí adiante.
Crescendo, topei com a professora a pedir, com voz de comando: “façam os deveres de casa, estudem porque, amanhã, quero ver tudo direitinho”.
Iniciei a entrada nos meandros da vida, contactando com os mais determinados modos de pedir, umas vezes de saco às costas, outras com os cochichos ao ouvido e notas escondidas na mão; em certas ocasiões, ocultando os arroubos de vergonha e, noutras, com os mais deslavados e despudorados métodos de influências.
Tudo e quase todos aduzem como método de vida o pedido. Até quem almeja um lugar ao sol, na política e nas chorudas ocupações da sociedade em geral, enfrascam-se nas promessas de entrega das chouriças, enquanto pedem o porco dos votos e cargos proeminentes.
Não importa por que meios se alcançam os bons benefícios, mesmo que terceiros fiquem com o prejuízo injustamente; o que interessa é aquele lugarzinho, de preferência, bem vigiado e seguro.
Os craques do futebol pedem a renovação dos contratos e o aumento dos ordenados que, coitados, são de miséria, o que lhes é concedido.
Os empregados pedem trabalho e salário; os patrões pedem subsídios.
Os agricultores pedem ajudas e recebem, de troca, os sacos cheios de nada ou de promessas jamais saldadas.
Os filhos pedem pão e sopa e os pais, desempregados, pedem-lhes que estejam calados.
Os inactivos, para não os apelidar doutra forma, pouco virados para o trabalho, pedem o Rendimento Social de Inserção, para o gozarem nas cadeiras coloridas dos cafés.
Os doentes e idosos pedem assistência e muitos dos seus familiares pedem para esses a entrada nos Lares. Os filhos pedem ajuda e presença aos pais e estes, em resposta, pedem-lhes que vão para o quarto ver televisão.
Bastantes pessoas, ditas gradas, pedem que os seus produtos sejam colocados no mercado produtivo, mesmo que para isso tenham de satisfazer, em compensação, outro pedido de um bom carro ou de um bem recheado maço de papeis que representam o vil metal.


Poderíamos alargar a enorme lista dos problemas desta esfrangalhada sociedade. Mas, também eu, quero pedir respeito pelo meu modo de pensar, porque ainda não sei onde me enfileiro: se na classe dos pedintes pobres ou na dos pobres pedintes.
O que posso afirmar é que sou português e recebo, constantemente, pedidos provindos dos mais diversos quadrantes e coloridos de variegados tons.

P. Manuel Armando