Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

sexta-feira, 28 de março de 2014

  CRISTO, MORTO, REVIVE NO SILÊNCIO

    É frequente e, de certa maneira, compreensível ver quem está “na mó de baixo” ser objecto das chufas e sarcasmos da populaça anónima que, por seu lado, se acha no direito de apontar o dedo ao suspeito criminoso ou refinado impostor.
    Estou a referir ou a reflectir quanto os três evangelistas sinópticos aduzem sobre aquele momento doloroso de Cristo, já colado pelos cravos à infamante cruz tosca de madeira, tornada trono áureo e reluzente de salvação.
    «Olha o tal que ia deitar abaixo o templo e tornar a construí-lo em três dias! Salva-te agora a ti mesmo! Se és o Filho de Deus, desce da cruz!» … «Salvou os outros e não se pode salvar a si mesmo! Se é o Rei de Israel, que desça agora da cruz para acreditarmos nele! Pôs a sua confiança em Deus e até disse: “Sou Filho de Deus”. Nesse caso, que venha Deus agora livrá-lo, se de facto lhe quer bem!» (Mt.27/40-43; Mc.15/29-32; Lc.23/35-38).
    É impressionante um tão grande silêncio prudente diante de tamanha turba, amotinada e cheia de rancor ignorante, que não conhece o porquê de tudo quanto vai acontecendo a não ser o obedecer ao incentivo dos grandes da sociedade de então, entrincheirados no poder do dinheiro e das influências.
    Ontem como hoje e sempre, os cenários repetem-se sucessivamente, escondendo todos os caminhos da verdade e da honradez.
    Reitero a admiração pelo mutismo de Jesus neste sofrimento atroz. Não há um apelo nem acusação como defesa. Razão para Isaías, ao profetizar: «Foi vexado e humilhado, mas a sua boca não se abriu para protestar; como um cordeiro que é levado ao matadouro ou como uma ovelha emudecida nas mãos do tosquiador, a sua boca não se abriu para protestar. Levaram-no à força e sem resistência nem defesa; quem é que se preocupou com a sua sorte? De facto, foi suprimido da terra dos vivos, mas por causa dos pecados do meu povo é que ele foi maltratado» (Is.53/7-8).
    Incapacidade, medo, vergonha? Mas, se estava pré-anunciado pelas Sagradas letras, tudo se havia de cumprir.
    A morte sobreveio e com ela a escuridão da incerteza e do desconhecimento. Tudo continuou na dúvida do porquê de quanto se estava a desenrolar e, ainda mais confuso, o que iria passar-se três dias depois.
    De boca em boca, a notícia da morte de um “sublevador” foi sendo notícia comentada, por entre dentes, pelos medrosos, ameaçados para esconderem alguma firmeza de confiança naquele Homem que passara “fazendo o bem” e a não merecer tal condenação à morte.
    Após o terceiro dia, ressuscitou como havia prometido. Mas, mesmo aí, continuou a calar o facto. Nada de alardes nem alarmes. O povo anónimo deveria ir descobrindo o sucedido, acreditando no desígnio divino.
    Então o silêncio torna-se voz sonora, ainda que os grandes do mundo porfiem fazer esconder a verdade daquela madrugada gloriosa de Ressurreição.
    O Senhor Jesus, nos nossos tempos e como que no segredo, vai convidando para a contemplação conducente à aceitação do mistério.
    Essa obra é, hoje, múnus daqueles quantos se deixaram já tocar pela graça do Espírito e a quem caberá por consciência recta, o dever de levar, em todos os sectores da vida, a feliz e confortante notícia de que a Fé não é vazia ou morta porque aceita o silêncio de Jesus para o tornar grito audível neste mundo onde outros ruídos ensurdecem.
    Este será um clamor a vencer a ironia e o desprezo de uma sociedade que faz barulho para não se ouvir o silêncio de Deus que assim caminha connosco, na pessoa de Jesus Cristo ressuscitado.

                                                                                                 Manuel Armando

segunda-feira, 10 de março de 2014


                  ANJO OU IMAGEM?

 

                   Vi um qualquer anjo mendigo,

                   Vindo do Céu ou da Terra, não sei.

                   A sua pequenina estatura, 

                   Vestia-se de magnífica alvura. 

                   E porque nada trazia consigo, 

                   Logo assim o admirei. 

                   Seus cabelos louros pareciam dourados. 

                   Diante daquela tamanha pureza,

                   Sem prosápia ou leveza,

                   Me envergonhei 

                   E lastimei  

                   Os meus pecados.

 

                   Em tudo encantava com seu sorriso,  

                   A todos acenava na inocente simplicidade, 

                   Brincava sem medo nem preconceito, 

                   Abria-se nos gritos a seu jeito  

                   E, naquele momento preciso, 

                   Só a verdade

                   Lhe saía do peito.

                  

                   No olhar foi sempre profundo  

                   A perscrutar tudo à sua volta 

                   E, porque sentia sua alma mais solta, 

                   Revolvia todo o nosso mundo, 

                   Denunciando a falsidade 

                   Dos homens de qualquer idade, 

                   Presos à suposta segurança  

                   Da preguiça que sempre os lança 

                   Na ociosidade.

 

                   Continuo a sentir-me embevecido,

                   Diante da grandeza de tal pequenez  

                   A contrastar com a altivez  

                   Deste meu eu, mal sentido, 

                   Pois ainda não reconheci  

                   Dever a vida crescer em boa confiança. 

                   Afinal, parece que um sonho eu vivi,  

                   Em uma noite escura de breu, 

                   Porquanto escutei o troar da guerra,

                   Onde, perdido ou alheado e sem parança,  

                   Descobri, não um anjo do Céu 

                   Mas, pedindo pão e paz para esta terra,  

                   O Homem, ainda criança.

 

                                                       Março - 2014

 

                  

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014


                 SOMBRAS

 

              Sigo, voltando as costas à luz,

              E acosso, nervoso, minha sombra fugidia 

              Que jamais poderei alcançar. 

              Torna-se árduo e pesado o meu caminhar. 

              Espero, confiante, a hora mais tardia, 

              E, enquanto quase tudo se desfaz, 

              Pego uma outra cruz, 

              Para mim, sinal de paz.

 

              Quando renasce a vida em cada manhã, 

              Viro para o sol meus olhos despertos. 

              Então, minha sombra se projecta para trás 

              E me diz que não há existência vã 

              Se apoiada nos passos sempre certos 

              No caminho do quanto de bem se faz.

 

              Chega o pino do meio-dia. 

              No seu pico, o sol vai confundir 

              A minha sombra e o meu eu. 

              Se olho o chão da nostalgia, 

              Corro o risco de, trémulo, fugir 

              Sem ver, na terra, espelhado o Céu.

 

              Desanimado, serei sombra de mim mesmo, 

              Prostrado no buraco onde ninguém 

              Ousará perguntar-me por que caí,

              Pois não darei respostas a esmo, 

              Sem o sentido que a vida contém

              Para qualquer pessoa a vaguear por aqui.

 

              Mas, afinal, o sol robustece meu existir, 

              Como sombra precedendo o Amor 

              De um nosso Deus, Pai e Criador,  

              Que se propõe fazer sumir 

              A prosápia de quem ostenta a vaidade 

              Da figura à qual o sol faz arder 

              Até ao nada inane de verdade, 

              Onde jamais alguém quererá perecer.

 

              Ou projectamos a Pessoa do nosso Deus 

              Numa existência luminosa e fecundante 

              Com sua meta ainda muito distante, 

              Ou, então, perderemos o rumo dos Céus, 

              Acabando como sombra apagada num instante.

 

 

                                                         Outono de 2013