Quem sou

Quem sou
Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

quarta-feira, 10 de outubro de 2012


 

 

      ESCAPES DE CAMALEÃO

      Nunca fui grande admirador de quaisquer sáurios. Contudo, não vou afirmar que os detesto porque compreendo existirem eles, nas suas diversas versões, para o devido equilíbrio da Natureza.
     Observados através de vidros fechados e nos locais próprios, geram uma certa curiosidade e admiração mas, junto a mim, surgidos de uma qualquer murteira e sem avisar, confesso que me põem os cabelos em pé de guerra.
     Há quem lide com tais bichinhos com muita naturalidade e até os ponha nos aposentos mais íntimos como companheiros inseparáveis. Quanto a isso, nada a opor. Cada qual convive com o que quer e mais se identifica.
     Lembro-me de, quando estava nos primeiros passos da minha missão, alguém oferecer lá para casa um animálculo, parecendo tão curioso como repelente: - um camaleão.
     Mesmo não sendo opção para minha admiração, eu passava alguns momentos a observar como mudava a cor da sua “indumentária” consoante o poleiro que ocupava e a presa a alcançar. Era só aguardar uns segundos e, fixada a vítima, a língua, verdadeira espada finíssima num movimento instantâneo, alongava-se largos centímetros e nada falhava. Cada tiro, uma mosca ou aranha.
     Todavia, o bicharoco teve a desconchavada ideia de rumar até ao meu quarto. Vi-o numa noite quando me preparava para o sono repousante. Embora soubesse que ele não faria mal aos humanos, nada de confiar. Portanto logo me fui munir de vassoura e pá do lixo e foi ver o meu indesejável companheiro voar, janela fora, em direcção ao campo de milho do vizinho, para nunca mais ser visto, gorando-se todos os posteriores esforços do verdadeiro dono para o recuperar. Bem me perguntava mas eu continuava a desconhecer o seu paradeiro e o que lhe havia sucedido.
     Já decorreram vários anos sobre tal graça, mas descubro então que esta classe de fauna prolifera cada vez em maior quantidade nos dias que vivemos.
     Trocam-se os clubes e as ideias políticas, sociais e até religiosas, conforme os interesses imediatos mais vantajosos. A pele aparecerá com a cor que melhor convier. O que agora é verdade, volvidos poucos momentos, poderá passar a mentira. O sistema dito como válido deixará, em breve espaço, de constituir o caminho certo e os mesmos protagonistas afirmarão que nunca pensaram em tal.
     A afirmação da fé, propalada na véspera, desvanece-se no dia seguinte porque adivinhará estar à porta, em espera porfiada, uma nova experiência materialmente atraente e lucrativa.
      E, sempre mais, os mesmos camaleões surgem nos diversos cantos, confundidos com a paisagem, estendendo as afiadas garras a segurar e matar, por todos os modos e feitios, as vítimas indefesas que lutam pela vida e por um naco de pão que sustente e sacie a fome a si e aos de sua casa.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012


    A ALEGRIA DE SER POBRE
     Nunca entendi, ou não quis entender, a expressão bem portuguesa e popular, creio, do “pobrete, mas alegrete”. Talvez isso não produza na minha pessoa grande mossa, em virtude do berço em que me deitaram, acabara eu de nascer, ser uma caixa onde haviam jazido sardinhas para venda, embora suas tábuas depois fossem aplainadas e marteladas pelo artífice sem diploma nem arte, mas credenciado pelo carinho e amor cuidado de pai.
     Não cresci entre sedas e brocados nem fui sentado em mesa onde luzissem os talheres de prata ou dourados.
     Entrei numa Escola Primária, por caridade e favor, depois de ser “expulso” da primeira, que frequentei só durante dois dias, porque a sala de aulas estava carregada de modo a não comportar tão grande número de alunos, abrangidos nas quatro classes de então.
     Não estou, nem quero, a lamentar-me de alguma coisa. Muito pelo contrário. Dá-me uma enorme satisfação trazer à memória restos de vida por que passávamos sem garantias nem subsídios.
     Os tempos eram outros e tudo servia para estabelecer normas de vida e linhas divisórias entre os bafejados da sorte e a arraia-miúda da sociedade.
     Mas ultrapassávamos, com natural espontaneidade, a situação. Também é certo que a nossa cabecita não concebia a dimensão dessa desgraça tamanha.
     Faço regressar à recordação um episódio de dois miúdos a frequentarem a mesma sala de aulas, quando nela se fazia o favor de distribuir pequenos e frugais lanches às crianças que pareciam trazer mais carências estampadas na cara.
     Numa ocasião e, enquanto lhes foi perguntado algo sobre as suas famílias e pormenores sociais respectivos, um enumerou a existência de seis irmãos e o outro relatou não ter pai porque este havia abandonado a casa, mulher e filhos. A ambos os rapazitos entregaram um lanche porque eles mesmos tinham adquirido tal direito, reconhecido pelo estatuto de serem pobres.
      Todavia um deles não achou nisso muita piada e ficou meditabundo, enquanto o segundo correu para casa, ufano, proclamando: “Mãe, na nossa escola, somos só dois os pobres: eu e o Quinzinho”.
      No momento, para aquele garoto, tal situação equivalia a serem considerados os dois melhores da turma.
      Retomo, então agora, o início destas minhas congeminações, porque começo a perceber qualquer coisinha.
     Estamos numa contextura em que se olha para esta nossa sociedade, ou melhor, para cada um de nós, sobrecarregando-nos com o epíteto de esfarrapados, ignorantes, esfomeados, malandrões, órfãos desprezados e na bancarrota, desempregados que vivemos à sombra e sob a égide de quem queira condenar-nos ainda a mais pobreza, mas com a incumbência, por nossa parte, de apregoarmos com sonora e inocente satisfação que somos uns pobres coitados a estender a mão à comiseração fantasiada dos quantos já puseram as patorras sobre a debilitada cerviz da nossa economia de autênticos invertebrados.
    Talvez até esteja certo porque, dada a forma como muitas camadas de famílias se comportam, continuando a gastar ou a deixar que os seus mais novos o façam, como se pertencessem à classe dos governantes, não merecemos outra coisa senão o riso escarninho de quem nos reconhece como os títeres foliões que exibem nas costas o cartaz de “pobretes, mas alegretes.”

quarta-feira, 26 de setembro de 2012


      DEPOIS DAS PALMAS

     Uma maneira de se exteriorizar acordo ou desacordo sobre qualquer coisa, ideia, atitude, pensamento, obra, prova desportiva ou outra, teatro, música, discurso e sei lá quantas mais cambiantes da vida em sociedade, serão as palmas.
     Parece, até, ser uma expressão anatómica, obrigatoriamente ensinada à criança de colo: “Bate palminhas, bate, bate palminhas…”. “Muito bem, muito bem!”
     Assim, o “macaquinho” começou a aprender o essencial básico da comunicação humana.
     A vida decorre normalmente e, em todos os quadrantes, se encontram lugares e motivos para as palmas, ainda que, muitas vezes, forçadas ou soando a falso pela ironia das convivências e conveniências.
     Dizer que não estimamos provas de apreço, manifestadas dessa forma, seria uma espécie de masoquismo anímico.
     Eu, pessoalmente, já experimentei, em milhentas ocasiões, os diversos sentidos dessas aclamações. Mas, de certo modo, sempre me fica um laivo de agrura interior, pela expectativa daquilo que virá a seguir.
     Falta de auto-estima, dir-me-ão.
    Seja.
    Receio, sobremaneira, a volubilidade dos espíritos aclamantes quando olham cada momento presente e parece não se precaver o futuro, por vezes, muito próximo.
    Evoco na minha mente o caso do Cristo, aclamado Messias, na Sua entrada em Jerusalém e pelas mesmas (?) pessoas, poucas horas volvidas, vilipendiado, acusado e condenado à morte mais vergonhosa, ao tempo.
    Porquanto as necessidades primárias ou os interesses imediatos não se alcançam, encontra-se logo razão para uma viragem de retrocesso e inevitável censura. Não é que se torne impossível suportar tal pressão mas, no mínimo, desencoraja os empreendimentos seguintes.
    A nossa constatação diária faz-nos avaliar as atitudes de quem pretende buscar a solução das suas exigências pessoais, nem sempre convenientes e adequadas, em detrimento do bom nome e direito dos outros.
    Tenho pena de quantos se deixam peitar pelas palmas e, de seguida, experimentam a desilusão e desânimo pela incompreensão ou na consciência pessoal da sua incompetência.
    Olho, por exemplo, para todos aqueles que procuram lugares da política ou governação, como são aclamados naturalmente com as palmas e, passados momentos breves, varejados pelas palmadas amargas e dolorosas de ingratidão ou má fé.
     Por tudo isto e muito mais, julgo prudente não nos deixarmos embalar pelo canto da sereia das palmas, dirigidas aos que nos palmam as coisas e a vida e, então, não teremos de passar os dias às palmadas em toda a gente.
     É que, depois das palmas “chuviscadas”, vem o dilúvio ou o autêntico tsunami das palmadas.
     E, aí desse modo, ninguém se entenderá nunca mais.

 

                                                                      

 

 

quarta-feira, 12 de setembro de 2012


 

 

 

 

                        QUEM SERVE É O PRIMEIRO

                         Quão pesada é uma sede do poder! 
                       Tanta gente a correr 
                    Para pisar 
                       Quem caiu a meio do caminho 
                        Porque, marginalizado e sozinho, 
                    Não consegue avançar.

                    Nesta humanidade grosseira e agreste 
                        Há mesmo quem se preste 
                    A facilitar qualquer conquista, 
                        Mas o conselho do Mestre 
                    É que, na labuta terrestre,
                    Ninguém jamais desista 
                        De seriamente trabalhar 
                        E assim, pelo seu empenho obter 
                    Um imenso prazer 
                        Por alcançar 
                        O primeiro lugar 
                        Na dura, mas verdadeira, pista.

                   Sentar-se no pódio da fama, 
                       À esquerda ou à direita, 
                   Ou, ainda, chegar à salvação 
                       Depende da obra feita 
                       Do responder a Deus que chama 
                       Quando nos estende Sua mão.

                   Os méritos com trabalho alcançados,   
                   Somente o Pai os pode avaliar 
                   E com justiça premiar  
                   Se os bens, a nós confiados, 
                   Produzirem os frutos que Ele vem buscar.
                   O serviço gratuito será nossa caminhada 
                   Enquanto nos despoja da rude ambição;
                   Lutaremos com desejo sincero, aberto, 
                   De olhar vigilante e desperto, 
                      Aguardando uma libertação 
                   No coração 
                   Da jornada.

                   É grande quem possui uma alma generosa 
                   E olha por cima, mas para o irmão 
                       Porque lhe serve a iguaria saborosa 
                       Na baixela da humildade, 
                       Sem alarde nem publicidade, 
                       Em coerente fraternidade 
                   E comunhão.

                   O Senhor Jesus, veio para servir  
                   Cada homem pobre e desprezado  
                   E, dando-lhe vida, salvou-o do pecado. 
                       Nele, os frágeis alcançam a vitória 
                       Pois, sempre com Ele e a seu exemplo,
                   Também irão subir   
                       Ao prometido templo 
                       Da Sua Glória.

         (29º Domingo do Tempo Comum, Ano B – Mc.10,35-45)

sábado, 8 de setembro de 2012


                            ”VAI, VENDE, DÁ E VEM”

             Sou tentado a não concordar Contigo, Senhor.
                   Então aconselhas um jovem fogoso e sedento,
                   A deixar, naquele particular momento,
                       Todos os seus bens de fortuna, 
                       O que em sua mente não se coaduna, 
                       Porque para si eles resumem todo o valor 
                   Enquanto angariados com cuidado e afã
                       No esforço e trabalho do dia-a-dia
                   Sempre iniciado com a ditosa alegria 
                   De cada manhã?!

                   Fixaste nele Teu meigo e compreensivo olhar,  
                       Descortinaste o fundo do seu coração, 
                   Viste o quanto era difícil ele deixar 
                       Todos os haveres que detinha em sua mão.

                    “Se queres ser mais perfeito 
                    E alcançar a vida sem fim,
                        Não pode isso acontecer somente a teu jeito
                        Portanto, vai, vende tudo, dá aos pobres e vem; 
                        Depois segue-Me e, sempre junto a mim, 
                        Readquires o sentido do viver e, assim,
                        Experimentas toda a verdade 
                    Do caminho para uma feliz eternidade”.

                    Este foi o Teu solícito conselho 
                       Ao jovem que cumpria já o Evangelho. 
                       Mas são sempre letra morta os mandamentos
                   Quando não houver autêntica doação   
                   Em todos os cometimentos 
                   Da acção.

                   Ouve-me agora, Senhor,
                       Pois conheces como sou pecador;
                       Fingindo de rico na minha pobreza, 
                      Muito pouco ou nada quero largar 
                   Porque me deixo enredar 
                      Numa desmesurada avareza 
                   Pelos bens que julgo possuir 
                   Mas, sem mérito nem valor,
                   Pois não alimento com sincero amor 
                   A grandeza do meu existir.

                   Perdoa, ó Deus, a minha ausência  
                      Quando recuso o Teu chamamento;
                  Sei que o desprendimento, 
                      Feito em plena e livre consciência,
                      É o verdadeiro e seguro caminho 
                      Aberto à pura felicidade
                   Porquanto cada um recebe o carinho 
                      Da Tua Caridade.

                   Então, que tudo eu deixe para trás 
                   Para encontrar em Ti a única paz.

                             28º Domingo do Tempo Comum, Ano B
                                    (Lc.10,2-16)    

 

 

 

 

                         DEUS É DOS SIMPLES

                   Quem nos dera ter um coração de criança,
                   Sempre a pular os degraus da simplicidade
                   Como que anunciando ao mundo a esperança 
                       Da abertura à coerência,
                       Na inocência, 
                   Da verdade.

                   No colo do Senhor Jesus  
                   Que acolhe e abraça 
                       E onde se encontra a ternura,
                   A serenidade, o descanso, a luz,
                   Enquanto este tempo passa,
                       Calculista, frio e tirano, 
                   Conspurcando a natureza pura
                       Do ser, criado para o alto, mas humano, 
                   A vida alcança, 
                       Na pessoa da criança,
                       Novo e elevado valor 
                   Pois é dádiva de um Deus Criador 
                   A olhar o homem, vergado 
                       À vergonha do seu pecado,
                   Com expressão feliz e plena de Amor.

                   Há quem estorve a vida que brotou 
                       Dum lampejo de infinita bondade 
                       Quando, no vazio desta humanidade,
                       Uma nova e diáfana claridade
                   Raiou.

                   Criou Deus um homem e uma mulher,
                       Feitos os dois em perdurável união;
                       Projectariam vida, por missão,
                       Povoando a terra onde iriam viver 
                       A mútua entrega num só coração.

                   Na estabilidade duma aliança 
                       Forte, consciente e bem segura, 
                       Estará o equilíbrio da criança
                   Quando na sua família procura 
                       Um naco de confiança
                       E ternura.

                   Os seus olhos de candura 
                       Serão verdadeiros e frescos lírios 
                       Que luzem como círios 
                    E, na sua extrema doçura, 
                       Apontam o Reino dos Céus 
                       A quem as queira receber 
                    Para, nelas, bendizer 
                    A presença de Deus.

                            27º Domingo do Tempo Comum – Ano B

                                   (Mc.10,2-16)

                                   “ABRE-TE”…

                        Chamaste-me, um dia, Senhor,
                        Para longe do olhar indiscreto 
                        De quem caminhava a meu lado, 
                             E me lavaste do pecado, 
                        Dando-me Vida na partilha do Amor 
                             Quando eu já não via o Caminho recto 
                             Nem ouvia Tua voz 
                        Pois me prendia ao mundo de terror 
                        Que subjuga a todos nós.

                        Era surdo, nada poderia escutar; 
                            Tocaste meus ouvidos para me curar. 
                            Tinha cativa a minha língua 
                        Que estiolava à míngua 
                        De não poder cantar 
                            As maravilhas da Redenção, 
                            Mas salivaste meu paladar 
                            E recomecei a admirar 
                            Uma nova Criação.

                        Olhaste, Senhor, bem o meu fundo, 
                        Viste-me na escuridão da tibieza 
                             A agir, inseguro de incerteza, 
                        Deixando avançar,
                        Sem lutar, 
                             Um viver infecundo.

                         Espevitaste do torpor a confiança, 
                         Fizeste renovar em mim a esperança. 
                         A eficácia da Tua Palavra criadora  
                         Provocou novo impulso e, agora, 
                         Jamais deixarei de ouvir, 
                              Nem de sentir 
                         Tua bondade 
                              E perdão. 
                         Quero refugiar-me na serenidade 
                              Do Teu terno Coração.

                          Perscrutar Tua vontade, 
                               Caminhar nos Teus passos, 
                          Recolher-me nos Teus braços 
                          É pôr os olhos na Verdade, 
                          Onde tudo se ouvirá com a doçura 
                          Da ternura
                          Dum Deus, Pai e Criador 
                          Que nos cura 
                               Para proclamarmos Seu Amor.

                                 23º Domingo do Tempo Comum, Ano B

                                  (Mc.7,31-37)