ESCAPES DE CAMALEÃO
Há quem lide com tais bichinhos com muita naturalidade e até os ponha nos aposentos mais íntimos como companheiros inseparáveis. Quanto a isso, nada a opor. Cada qual convive com o que quer e mais se identifica.
Lembro-me de, quando estava nos primeiros passos da minha missão, alguém oferecer lá para casa um animálculo, parecendo tão curioso como repelente: - um camaleão.
Mesmo não sendo opção para minha admiração, eu passava alguns momentos a observar como mudava a cor da sua “indumentária” consoante o poleiro que ocupava e a presa a alcançar. Era só aguardar uns segundos e, fixada a vítima, a língua, verdadeira espada finíssima num movimento instantâneo, alongava-se largos centímetros e nada falhava. Cada tiro, uma mosca ou aranha.
Todavia, o bicharoco teve a desconchavada ideia de rumar até ao meu quarto. Vi-o numa noite quando me preparava para o sono repousante. Embora soubesse que ele não faria mal aos humanos, nada de confiar. Portanto logo me fui munir de vassoura e pá do lixo e foi ver o meu indesejável companheiro voar, janela fora, em direcção ao campo de milho do vizinho, para nunca mais ser visto, gorando-se todos os posteriores esforços do verdadeiro dono para o recuperar. Bem me perguntava mas eu continuava a desconhecer o seu paradeiro e o que lhe havia sucedido.
Já decorreram vários anos sobre tal graça, mas descubro então que esta classe de fauna prolifera cada vez em maior quantidade nos dias que vivemos.
Trocam-se os clubes e as ideias políticas, sociais e até religiosas, conforme os interesses imediatos mais vantajosos. A pele aparecerá com a cor que melhor convier. O que agora é verdade, volvidos poucos momentos, poderá passar a mentira. O sistema dito como válido deixará, em breve espaço, de constituir o caminho certo e os mesmos protagonistas afirmarão que nunca pensaram em tal.
A afirmação da fé, propalada na véspera, desvanece-se no dia seguinte porque adivinhará estar à porta, em espera porfiada, uma nova experiência materialmente atraente e lucrativa.
E, sempre mais, os mesmos camaleões surgem nos diversos cantos, confundidos com a paisagem, estendendo as afiadas garras a segurar e matar, por todos os modos e feitios, as vítimas indefesas que lutam pela vida e por um naco de pão que sustente e sacie a fome a si e aos de sua casa.