Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

domingo, 14 de julho de 2013


      ”SANTAS ELEIÇÕÕES, ROGAAI POR NÓÓS”
   Lembro aquelas manhãs de Maio quando, ainda muito pequenito, era acordado, pela madrugada, para ir engrossar o grupo, bastante numeroso, na reza das “Ladainhas”.

    Ainda com os olhos ensonados, eu nada dizia mas escutava, sem perceber coisíssima nenhuma, a invocação dos vários Santos e Santas da Corte Celestial, em favor de boas e abundantes colheitas. Percebi este porquê disso, mais tarde.

    Nessa altura, íamos percorrendo, desde o centro da aldeia, os outros povoados e lugarejos, na distância de alguns largos quilómetros, durante todos os dias daquela semana determinada. A hora era duma formidável frescura e pureza, por entre os verdes campos que acordavam para mais um dia lindo.

    O velho Prior, solenemente vestido com a capa de asperges, lá ia levantando os nomes dos tais servos e servas de Deus, constantes da lista, num latim naturalmente correcto porque era o idioma da Liturgia, enquanto a assembleia do povo respondia num latinório macarrónico, quase ininteligível: “Oráá pru nóbes”. (Nós, as crianças, com a maior das canduras, no modo de crer e porque era a nossa maneira de entender, juntávamos as nossas vozitas e fazíamos coro, cantando em resposta à tal litania: “farraapos noovos”). Era o que soava aos nossos ouvidos infantis e, no meio da zoada geral, ninguém dava pela nossa confusão.

    Formulavam-se, assim, uns pedidos singelos e sinceros do povo que vivia o seu trabalho, na agricultura de sobrevivência, regado com a fé e esperança de colheitas abençoadas e abundantes.

    O interessante a retermos era o facto de que, alguns dias depois, a bendita chuva desejada fazia a sua aparição, fertilizando os campos semeados.

    Claro que tudo isto ia acontecendo numa das épocas chuvosas do tempo. Mas alicerçava-se, mais fundo, a convicção de que o Criador esperava a insistência das preces para beneficiar ou respeitar os pedidos.

    Os tempos sucedem-se, anos sobre anos, e os usos populares vão dando lugar a trabalhos e entretimentos diversos, quiçá, mais saborosos e atraentes, se não forem mais duros, para grandes e pequenos.

    Hoje já não acontecem as procissões das “Rogações”. Foram substituídas pelas greves e marchas de protesto frequentes. Agora não se roga, mas imprecam-se blasfémias e esconjuros que pouco ou nada valem nem dignificam a pacatez popular.

    Presentemente impõem-se eleições, antecipadas ou em tempo devido.

    Então aqui, sim. Parece merecer a pena pois, quando essas eleições se aproximam, algumas das exigências e pedidos serão normalmente atendidos. Tapam-se buracos e alcatroam-se estradas e caminhos degradados e fazem-se calçadas, aparecem inaugurações retardadas, conseguem-se mais alguns subsídios, há muito prometidos, até para as culturas agrícolas. Constroem-se baloiços para as crianças e, aí, também os adultos se divertem, algumas obras são terminadas ou olhadas com algum outro cuidado suplementar, e mais e mais.

    Razão, sobremaneira, sobeja para continuarmos esperançados e a cantar, mesmo num Português desusado: “Santas eleiçõões, rogaai por nóós”.

 

                                                                              

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