Há imagens que permanecem indelevelmente impressas na nossa memória pessoal e, porque remontam aos tempos de frescura na gravação, lá ficam como se acontecessem em qualquer lapso presente. Ou, então, sucedem-se acasos que nos abrem o subconsciente, escancarando-o com toda a sua verdade lá contida.
A atitude do gato, quando coca o rato, ou a posição do cão, ao farejar determinada peça de caça, quase nos fazem lembrar, concretizando, aquelas ideias que alimentamos no agir de pessoas e instituições.
É claro que me pronuncio como despeitado que sou, mas tenho muito prazer em, resumidamente e sem grandes pormenores, contar um pequeno episódio de estrada que, jamais, esquecerei.
Viajava eu, com alguma pressa quando, levantando a mão, alguém com autoridade me interrompeu a marcha. Depois dos cumprimentos habituais, não precisou de examinar quaisquer documentos porque, por um mero acaso, reconheceu a minha pessoa. Breve conversa cordial sobre família e despedida, sem mais. Só que, quando eu procurava reiniciar a viagem, a mesma mão me acenou. Baixei o vidro da janela do meu lado e ouvi, no momento, num misto de fina ironia e amizade: “Já agora, olhe, com essa velocidade, ponha o cinto de segurança”. Sorriu e nada mais acrescentou. Não fui multado mas senti-me pior do que se o fosse.
Apenas, mais esta nota: ainda hoje, não sou capaz de identificar o guarda. Todavia, aqui fica registado, assim deste modo, o preito da minha homenagem pelo seu saber ser pedagogo.
Isto vem a propósito da forma como, por vezes, se reprimem as pequenas distracções dum pobre condutor que utiliza o seu carro para deslocações de trabalho e não em qualquer espécie de competição.
A presença duma autoridade fardada não se faz mostrar para impor, no bom sentido, o respeito pelas regras, sinais e pessoas. Mas, isso sim, transformam estes muitos condutores em títeres do medo e da carga psicológica negativa, porque conduzem na constante perspectiva e pânico de o veículo ser “fotografado”, mesmo que ultrapasse, na velocidade, só um pontinho além do permitido.
Carros não identificados, estacionados nos locais escondidos ou escuros, oferecendo até ocasião a uma aprazível sesta porque a máquina programada faz todo o trabalho por ela própria, são praga constante.
Pessoalmente, confesso que já despendi a quantidade necessária dos euros suficientes e capazes de adquirir também uma aparelhagem semelhante para, eu mesmo, gravar o andamento daqueles tantos “fângios” que me ultrapassam, em altas rotações, certamente com a sorte de nada lhes acontecer.
É o que temos; caçadas, entre montes e na ausência de cães, com licenças especiais e gratuitas.
Já nem conseguimos topar, sem um calafrio esquisito a gelar-nos os ossos, um veículo parado em qualquer berma nem que seja por espera do dono que, em dificuldades e necessidades naturais, se apeou em busca do esconderijo duma árvore amiga.
Há uma forma de educar e outra de reprimir.
E eu, quando for grande, hei-de ter um radar que detecte outros radares.
É, por isso, a pedagogia do radar que poderá não educar mas, naturalmente vai originando depressões nervosas ou psicoses difíceis de engolir ou esquecer.
Manuel Armando
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