O “Ti Senhor LOPES”
É, por isso, interessante recuar no calendário, vários anos, centrando a lembrança naquelas observações que, ao tempo, pouca ou nenhuma importância alcançaram para nós.
Mas, como o disco rígido do nosso subconsciente regista e guarda as circunstâncias nós, espevitados por tudo quanto se desenrola à nossa volta e comparando os comportamentos de antanho com o modo de estar e agir, hoje em sociedade, podemos redescobrir o valor de muitos homens e mulheres que nos legaram ensinamentos exemplares e, só agora, lastimamos por não sermos ou fazermos como eles.
Aquele era o Senhor Lopes, para os adultos porque nós, crianças ainda, o apelidávamos sempre como o “Ti Senhor Lopes”.
Homem com pele vermelhusca, dava a impressão de que, logo pela manhã, teria regado a goela para melhor apregoar a sua mercadoria. Não se confirmava, porém, semelhante suposição porque ele era abstémio.
Em todos os dias da semana pedalava na sua velha e desconchavada bicicleta durante largos quilómetros, por caminhos de terra batida e entre arvoredos, para entregar o correio por muitos, ansiosamente, aguardado.
Quantas eram as surpresas, alegrias e dores, êxitos ou derrotas, saudades e confortos, que ele acarretava na sua seira sem suspeitar nunca nada sobre isso.
Sempre com uma palavra amiga, aberta para todos e quando nós os mais novos, lhe perguntávamos se nos trazia correspondência, a resposta era impreterivelmente: “hoje não, mas amanhã vem, pelo menos, um fardo de palha”.
Na altura, não tomávamos tal coisa a peito, ríamos e tudo passava sem amuos nem mais delongas.
Aos mais velhotes necessitados, sem meios de transporte, prontificava-se em levantar-lhes as reformas e levar-lhas inteirinhas. Recados e embrulhos, tudo vinha a carregar o “ti Senhor Lopes” que nunca dizia não a ninguém e, por isso, se tornou uma pessoa desejada, estimada, admirada.
Mas o tempo, seguindo sempre a sua marcha inexorável, pôs termo a todas estas prestações exemplares. Primeiro foi a reforma e, poucos meses depois, o falecimento.
Ficarão, todavia, para sempre gravadas nas lápides da memória, a atenção aos outros e o desapego à sua própria pessoa, pois nunca se esforçou por quaisquer interesses próprios.
Mudam-se os tempos e trocam-se os ventos. E, nos actuais, gera-se um ambiente de excessivo egoísmo enquanto as boas vontades e o espírito de servir vão caindo, cada vez mais, ainda que formulemos a esperança de os indivíduos chegarem, algum dia, a sentir também o imperativo de se regressar à formação dos valores que educam e elevam a personalidade humana.
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