Quem sou

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Vocação: Padre - Outras ocupações: artista de ilusionismo e hipnotismo

sexta-feira, 17 de agosto de 2012


         ERA UMA VEZ…

    OU… O MENINO QUE APRENDEU A DIZER NÃO

    Têm sempre muita gracinha as crianças, mesmo e sobretudo quando começam a dar os primeiros passos ou a pronunciar alguns monossílabos, ainda que quase imperceptíveis.

    Nalguns pequenitos as suas habilidades são motivo de regozijo e admiração para as famílias mais chegadas que não se cansam de proporcionar ou trazer razões e ocasiões para demonstrações diversas. Nessa altura, não se regateiam elogios e vaticina-se que os “artistas” irão longe.

    Os gestos são entusiasmantes, mas as palavras ainda mal pronunciadas e incompletas demonstram, por si, a certeza de quem já aprendeu muito em pouco tempo. Começam logo as comparações evocativas dos progenitores, porque, também eles, teriam sido assim desenvoltos, nos primeiros anos de meninice. E quem sai aos seus não vai degenerar. Sempre isso continuou igual, parece agora.

    Ora este “meu” menino, com poucos meses, talvez um anito de nascido, na sua perspicácia dos passos iniciais, aprendeu e disse, antes de mais nada, a palavra “não”.

    Bem depressa se tornou conhecido que o cachopo evoluía nos saberes e noções das coisas e pessoas, repetindo a tudo e a todos a sua grande e soberba descoberta.

    Iniciou a caminhada pelo teimoso não à papa, à ordem de deixar o chapinhar na água ou abrir gavetas e outras coisas mais.

    O tempo foi avançando e o sentido do não assomava progressivamente à consciência da sua vontade de agir. Quem estava com ele continuava a achar engraçadas determinadas atitudes que deveriam ter acabado já há muito. Com extrema leveza, ia experimentando o pulso e autoridade dos que com ele conviviam e, enquanto crescia na idade, estatura e manha, a mão e a vontade dos pais enfraquecia num movimento uniformemente acelerado.

    Veio o tempo escolar e a sua recusa aos estudos e deveres de comportamentos decorria pela afirmação constante e sustentada do seu não.

  Daí para a frente começaram os solavancos do crescimento. Na sociedade, em que estava a inserir-se, com todas as suas vicissitudes inerentes iniciaram-se as perturbações sociológicas, uma vez que a noção de dependência e interligação aos outros membros activos era insustentável. O seu galopante egocentrismo fundamentava, aglutinava e absorvia todas as actividades e tudo quanto viesse contrariar isso mesmo, sintomaticamente, se tornava o óbice à ascensão de vida necessária na integração em qualquer sector do mercado de trabalho.

    Daí ao isolamento pareceu dar-se um passo de gigante. A sua aceitação por parte dos outros indivíduos entrou num fastidioso colapso.

    A via das drogas e marginalidade foi refúgio que não tardou a aparecer. Um verdadeiro desaforo e tudo quanto mais nós quisermos imaginar.

    Aquele menino que aprendera a dizer não, sem perceber inicialmente todo o verdadeiro significado disso, dera largas ao contentamento e admiração a quem encontrou nele e nas coisas algo admirável mas, por essa incúria alheia inconsciente, iniciou ele, assim também, o seu não à vida que, a tempo devido, lhe abrira os braços, contudo, impotentes porque jamais o puderam alcançar.



                                                                                         




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