ERA UMA VEZ…
OU… O
MENINO QUE APRENDEU A DIZER NÃO
Nalguns pequenitos as suas
habilidades são motivo de regozijo e admiração para as famílias mais chegadas
que não se cansam de proporcionar ou trazer razões e ocasiões para
demonstrações diversas. Nessa altura, não se regateiam elogios e vaticina-se
que os “artistas” irão longe.
Os gestos são entusiasmantes, mas
as palavras ainda mal pronunciadas e incompletas demonstram, por si, a certeza
de quem já aprendeu muito em pouco tempo. Começam logo as comparações
evocativas dos progenitores, porque, também eles, teriam sido assim desenvoltos,
nos primeiros anos de meninice. E quem sai aos seus não vai degenerar. Sempre isso
continuou igual, parece agora.
Ora este “meu” menino, com poucos
meses, talvez um anito de nascido, na sua perspicácia dos passos iniciais,
aprendeu e disse, antes de mais nada, a palavra “não”.
Bem depressa se tornou conhecido
que o cachopo evoluía nos saberes e noções das coisas e pessoas, repetindo a
tudo e a todos a sua grande e soberba descoberta.
Iniciou a caminhada pelo teimoso
não à papa, à ordem de deixar o chapinhar na água ou abrir gavetas e outras
coisas mais.
O tempo foi avançando e o sentido
do não assomava progressivamente à consciência da sua vontade de agir. Quem
estava com ele continuava a achar engraçadas determinadas atitudes que deveriam
ter acabado já há muito. Com extrema leveza, ia experimentando o pulso e
autoridade dos que com ele conviviam e, enquanto crescia na idade, estatura e
manha, a mão e a vontade dos pais enfraquecia num movimento uniformemente
acelerado.
Veio o tempo escolar e a sua
recusa aos estudos e deveres de comportamentos decorria pela afirmação
constante e sustentada do seu não.
Daí ao isolamento pareceu dar-se um
passo de gigante. A sua aceitação por parte dos outros indivíduos entrou num
fastidioso colapso.
A via das drogas e marginalidade
foi refúgio que não tardou a aparecer. Um verdadeiro desaforo e tudo quanto
mais nós quisermos imaginar.
Aquele menino que aprendera a
dizer não, sem perceber inicialmente todo o verdadeiro significado disso, dera
largas ao contentamento e admiração a quem encontrou nele e nas coisas algo
admirável mas, por essa incúria alheia inconsciente, iniciou ele, assim também,
o seu não à vida que, a tempo devido, lhe abrira os braços, contudo, impotentes
porque jamais o puderam alcançar.
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