Os periquitos
eram ocasião de encantamento para os meninos que frequentavam aquela casa
comum.
E,
afinal, nem só as crianças se embeveciam com eles porque os adultos também
gastavam alguns instantes na contemplação excitada daquelas avezinhas.
Não
era apenas a beleza das penas coloridas, o seu chilrear contínuo ou o saltitar
alegre que chamavam a atenção de todos. Havia outro pormenor que se impunha
pela ternura, solidariedade e exemplo.
Um
dos bichinhos arrastava consigo um mal congénito. O seu bico aparecia dobrado
de modo a não poder alimentar-se por si mesmo. Todavia, onde reina compreensão
e solidariedade, os problemas, ainda que graves, encontram formas adequadas de
solução, mesmo no reino animal, quando não há emulações nem competição por
lugares de supremacia ou rivalidade de beleza e poderio.
Pela
dificuldade e deficiência de um, o cuidado e zelo do outro.
O
companheiro do periquito defeituoso que poderia ser pai, mãe, irmão, parente
ou, simplesmente amigo, postava-se em atenção permanente e não descurava nunca
o sustento do seu comparsa de cativeiro. Por isso, nos momentos certos,
preocupado e com solicitude, preparava a refeição, como se de mãe se tratasse,
“mastigando-a” para a introduzir no bico do outro.
Isto
encantava e ensinava. Pelo menos, assim deveria acontecer.
Os
dias iam passando. Em tempo de aulas, tudo era fascinante e também os
“tratadores” não esqueciam de repor as mínimas rações de alpista e outras
pequenas sementes na gaiola que não era de ouro. A criançada continuava a
visitar tão enternecedora e familiar companhia.
Contudo,
o evitável sucedeu. Chegaram-se os dias das primeiras férias. A algazarra da
casa sofreu a respectiva pausa. Só os dois periquitos continuaram a entreter-se
mutuamente. Isso, enquanto tiveram força. As portas da casa estavam encerradas
e ninguém se abeirava dali para fazer chiar os gonzos e quebrar a monotonia da
solidão. Até elas, as pobres aves, sem poderem sair da gaiola e procurarem
alimento, calaram o seu chilreio e deambulações naquela área tão limitada.
Então, chegou para elas o fim. Ninguém
mais as lembrou, naqueles dias de férias. Não houve um gesto de gratidão pelo
contentamento que elas sempre haviam proporcionado.
Nada
de comiseração nem compreensão.
Praticamente
difícil é não acomodarmos esta pequena história verdadeira à realidade de frequentes
actuações humanas.
Há
pessoas, tanto crianças como adultos, que despertam ou escondem interesses e
atenções, consoante a vantagem de utilização momentânea. Aproveitados nalguns
momentos, passam ao ostracismo logo que outras circunstâncias, desprovidas de
quaisquer compromissos, porque lúdicas, apareçam.
Não é raro convergirem-se olhares
sobre os mais novos, enquanto fazedores de variadas piruetas e momices.
Todavia, quando crescem vão também experimentando uma auto-determinação que,
sem bases de sustento, acabam por decair no desânimo e desilusão de si
próprios, numa desorientação moral e de valores, porque não encontram a
segurança daquele esteio firmado nos seus alicerces da família. E o que
acontecia no tempo da primeira idade não se adequa ao crescimento seguinte.
Deixaram, portanto, de ser engraçados para entrarem na desgraça do desinteresse
e alheamento. Alguém responsável “parte para férias”, deixando-os presos e
indefesos, entregues à sua má sorte.
E,
sem alimento, qualquer alguém se definha.
Acontecerá,
de modo idêntico, com os mais avançados na idade pois passarão à inutilidade
forçada se, porventura, já não possuem as penas brilhantes das contas bancárias
ou as suas energias físicas exigem muletas e ombros familiares, amigos e
compreensivos.
Por
isto e mais aquilo, este mundo, tantas vezes padrasto, vai-nos explicando a
razão pela qual os periquitos deixaram de entusiasmar ou interessar e… um dia,
morreram.
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